A ideia de que a energia escura é uma força constante no Universo pode estar com os dias contados. Um grupo internacional de pesquisadores, liderado pela Universidade de Chiba, no Japão, usou um dos supercomputadores mais potentes do mundo para testar se essa energia misteriosa, responsável pela expansão acelerada do cosmos, pode variar ao longo do tempo.
As simulações realizadas no Fugaku, máquina capaz de realizar mais de 400 quatrilhões de cálculos por segundo, mostraram que, em determinados cenários, uma versão dinâmica da energia escura poderia explicar melhor as observações recentes do Universo.
Os resultados desafiam o modelo cosmológico mais aceito até hoje. E oferecem pistas para repensar como as grandes estruturas cósmicas se formaram.
Quando a energia escura deixa de ser constante
A hipótese de uma energia escura dinâmica ganhou força nos últimos anos, após dados do Dark Energy Spectroscopic Instrument (DESI) sugerirem que essa força pode enfraquecer com o tempo.
Para testar essa possibilidade, pesquisadores do Japão, Espanha e Estados Unidos rodaram o maior conjunto de simulações já feito do Universo. O objetivo foi comparar o modelo tradicional, no qual a energia escura é constante, com cenários em que ela varia ao longo da história cósmica.
O supercomputador a serviço da cosmologia
Para enfrentar uma questão tão complexa, os cientistas recorreram ao Fugaku, supercomputador instalado no Japão e considerado um dos mais potentes do planeta.

A máquina reúne mais de 150 mil processadores e já foi capaz de alcançar picos acima de 442 petaflops, ou seja, mais de 400 quatrilhões de cálculos por segundo.
Essa potência permitiu rodar simulações cosmológicas em alta resolução, cada uma com volume oito vezes maior que estudos anteriores do mesmo tipo.
O grupo, liderado pelo astrofísico Tomoaki Ishiyama, da Universidade de Chiba, comparou três cenários distintos:
- O Universo padrão descrito pelo modelo ΛCDM;
- Um Universo com energia escura dinâmica (DDE), mas sem alteração nos demais parâmetros;
- Um terceiro universo, também com DDE, mas ajustado a partir de observações recentes do DESI, incluindo um aumento de 10% na densidade de matéria.
Essa estratégia permitiu isolar o papel da energia escura variável e depois avaliar como ela interage com outros fatores cósmicos.
Para quem não sabe: o ΛCDM é hoje o modelo padrão da cosmologia. Ele combina duas ideias:
- Λ (lambda): representa a energia escura como uma constante que acelera a expansão do Universo;
- CDM (Cold Dark Matter): descreve a matéria escura fria, invisível, mas essencial para formar galáxias e estruturas cósmicas.
Na prática, o ΛCDM é a base das previsões atuais sobre a evolução do cosmos.
Resultados principais
Os cálculos mostraram que a energia escura dinâmica, isoladamente, exerce um efeito modesto na formação de estruturas cósmicas. Mas quando os cientistas introduziram os parâmetros derivados do Dark Energy Spectroscopic Instrument, os resultados mudaram de escala.
Nesse cenário, o Universo simulado apresentava até 70% mais aglomerados de galáxias massivos em seus primeiros bilhões de anos. Isso ocorre porque uma densidade maior de matéria intensifica a gravidade, o que acelera o surgimento das estruturas que servem de “andaime” para as galáxias.

Além disso, o modelo ajustado exibiu uma tendência maior de aglomeração de galáxias em pequenas escalas. Isso reforça a ideia de que a distribuição do cosmos pode ser mais densa do que supunha o modelo padrão.
Outro achado veio das chamadas oscilações acústicas bariônicas (BAOs) – ecos de ondas sonoras do Universo primordial que hoje funcionam como régua para medir distâncias cósmicas.
Nas simulações com energia escura dinâmica e mais matéria, o pico das BAOs apresentou um deslocamento de 3,7% em direção a escalas menores, resultado que se alinhou de perto com as observações reais do DESI.
Por que isso importa
A pesquisa não apenas desafia a visão dominante de uma energia escura constante, como também fornece uma base teórica robusta para interpretar os próximos levantamentos astronômicos.
Projetos como o Subaru Prime Focus Spectrograph e as futuras fases do Dark Energy Spectroscopic Instrument devem oferecer medições ainda mais precisas da distribuição de galáxias e da expansão do Universo.
Para o coordenador do estudo, Tomoaki Ishiyama, compreender como a energia escura pode variar ao longo do tempo é essencial para explicar o passado e prever o futuro do cosmos.
Ao mostrar que os efeitos se tornam muito mais claros quando combinados a parâmetros como a densidade de matéria, o trabalho aponta para um caminho no qual a cosmologia se torna cada vez mais dependente da sinergia entre simulações computacionais e observações astronômicas.
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Publicação e próximos passos
Os resultados foram publicados num artigo na revista Physical Review D, um dos principais periódicos de física teórica, em agosto.
Além de abrir frentes de investigação, o estudo ocorre em paralelo a uma corrida tecnológica: o Japão já investe na construção do FugakuNEXT, sucessor do atual supercomputador, que deve ampliar a capacidade de explorar questões fundamentais da física e da cosmologia.
Com isso, a fronteira do conhecimento sobre energia escura pode se expandir não apenas pela observação dos céus, mas também pela simulação de universos inteiros dentro de máquinas cada vez mais poderosas.
(Essa matéria usou informações de Interesting Engineering e Universidade de Chiba.)