Anomalia no campo magnético da Terra cresce e enfraquece

Dados mostram que a Anomalia do Atlântico Sul aumentou desde 2014 para uma área quase tão grande quanto toda a Amazônia brasileira
Flavia Correia14/10/2025 12h00
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A Anomalia do Atlântico Sul em uma animação feita pela NASA. Crédito: NASA Goddard/YouTube
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Um estudo publicado este mês na revista Physics of the Earth and Planetary Interiors confirma que a Anomalia do Atlântico Sul (SAA) – área de campo magnético mais fraco entre a América do Sul e a África – continua a se expandir e enfraquecer. 

Com base em dados dos três satélites da missão Swarm (Enxame, em português), da Agência Espacial Europeia (ESA), os cientistas observaram que a SAA aumentou desde 2014 para uma área quase tão grande quanto toda a Amazônia brasileira, sinal de que processos profundos no interior da Terra podem alterar o campo magnético em escalas de tempo de poucos anos.

A relevância da descoberta está no fato de que esse “escudo” natural protege o planeta da radiação espacial e influencia atividades em órbita e na aviação.

Em resumo:

  • A SAA está se expandindo e ficando mais fraca desde 2014, segundo a missão Swarm, da ESA;
  • O monitoramento contínuo por três satélites oferece o retrato mais detalhado já obtido;
  • Variações no núcleo externo de ferro líquido podem alterar o campo magnético rapidamente;
  • Satélites e voos de alta altitude ficam mais expostos à radiação na região da SAA;
  • Há sinais adicionais: leve enfraquecimento sobre o Canadá e fortalecimento sobre a Sibéria.

SAA é mais complexa do que se imaginava

O campo magnético da Terra nasce do dínamo no núcleo externo – um oceano de ferro líquido em rotação e convecção que converte energia de movimento em magnetismo. Esse campo se estende ao espaço, desvia partículas carregadas, ajuda a preservar a atmosfera e reduz a radiação que atinge a superfície. 

Ao longo das eras, sua intensidade varia e, às vezes, ocorrem inversões de polaridade. Embora tais oscilações não representem risco direto à vida na superfície, os efeitos tecnológicos e operacionais são concretos e justificam atenção.

Anomalia do Atlântico Sul como era em 2014 e como está em 2025. Crédito: ESA (Fonte de dados: Finlay, CC et al., 2025)

Os novos resultados mostram que a SAA é mais complexa do que se imaginava. “A SAA não é apenas um bloco único”, afirma Chris Finlay, geofísico da Universidade Técnica da Dinamarca, em um comunicado. “Ela está mudando de forma diferente em direção à África do que perto da América do Sul. Há algo especial acontecendo nesta região que está fazendo com que o campo se enfraqueça de forma mais intensa.”

Segundo os pesquisadores, partes do fluxo magnético sob a SAA aparecem invertidas em relação ao comportamento esperado de um campo aproximadamente dipolar. “Normalmente, esperaríamos ver linhas de campo magnético saindo do núcleo no hemisfério sul. Mas abaixo da SAA, vemos áreas inesperadas onde o campo magnético, em vez de sair do núcleo, retorna para dentro dele”, explica Finlay. “Graças aos dados do Swarm, podemos ver uma dessas áreas se movendo para o oeste sobre a África, o que contribui para o enfraquecimento da SAA nesta região.”

Uma hipótese relaciona esse padrão à Grande Província Africana de Baixa Velocidade de Cisalhamento, uma vasta região profunda de material mais quente e denso sob a África. Essa “mancha” pode alterar a convecção do núcleo e, como consequência, distorcer o campo acima dela. Esse tipo de dinâmica provavelmente faz parte do funcionamento normal da Terra; a diferença é que, agora, os instrumentos permitem observá-la em tempo real.

Representação artística da missão Swarm, primeira constelação de satélites de observação da Terra da ESA, projetada para medir os sinais magnéticos do núcleo, manto, crosta, oceanos, ionosfera e magnetosfera do planeta, fornecendo dados que permitirão aos cientistas estudar as complexidades do nosso campo magnético protetor. Crédito: ESA/AOES Medialab

Anomalias do campo magnético exigem satélites mais resistentes 

O retrato global traçado pela Swarm também indica um leve enfraquecimento do campo sobre o Canadá e um fortalecimento sutil sobre a Sibéria, sugerindo que mudanças estruturais no interior do planeta têm reflexos mensuráveis na magnetosfera. “É realmente maravilhoso ter uma visão geral da nossa Terra dinâmica graças às séries temporais estendidas do Swarm”, diz Anja Strømme, gerente da missão na ESA. “Os satélites estão todos saudáveis e fornecendo dados excelentes, então esperamos estender esse registro para além de 2030, quando o mínimo solar permitirá insights sem precedentes sobre o nosso planeta.”

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Na prática, as variações do campo magnético exigem satélites mais resistentes a descargas elétricas e protocolos operacionais ajustados ao atravessar a SAA. Na aviação de alta altitude e nas viagens espaciais, a exposição adicional à radiação pede planejamento de rotas, monitoramento e medidas de proteção. 

Sistemas de navegação que dependem do campo geomagnético também precisam de calibração mais frequente. De acordo com o estudo, acompanhar essas mudanças com séries longas e modelos preditivos mais robustos ajuda a mitigar riscos e orientar decisões de engenharia e operação.

Embora para o público em geral os efeitos diretos permaneçam mínimos, o acompanhamento contínuo da SAA e do campo magnético como um todo é essencial para a segurança de satélites, aeronaves e tripulações, além de fortalecer a resiliência de serviços que sustentam o nosso cotidiano – do posicionamento global à comunicação. 

Entender como o interior da Terra molda o escudo magnético é um passo prático para proteger tecnologia, saúde e bem-estar em um planeta em constante mudança.

Flavia Correia
Redator(a)

Jornalista formada pela Unitau (Taubaté-SP), com Especialização em Gramática. Já foi assessora parlamentar, agente de licitações e freelancer da revista Veja e do antigo site OiLondres, na Inglaterra.