Tornados magnéticos representam nova ameaça do clima espacial à Terra

Cientistas descobrem tornados magnéticos que causam tempestades fantasmas e expõem vulnerabilidade dos sistemas de defesa e alerta da Terra
Flavia Correia15/10/2025 18h26
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Representação artística de vórtices magnéticos descobertos entre a Terra e o Sol, que se interagem com o escudo magnético natural do planeta, desencadeiam uma perigosa atividade geomagnética que pode desligar as redes elétricas. Crédito: Imagem meramente ilustrativa gerada por IA/Gemini
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Um estudo publicado este mês no periódico científico The Astrophysical Journal traz à tona uma ameaça climática espacial até então desconhecida: vórtices magnéticos compactos e potentes, semelhantes a tornados, que se formam no vasto espaço entre o Sol e a Terra

Essa descoberta não apenas soluciona o mistério de “tempestades fantasmas” que atingiam nosso planeta sem aviso, como também expõe uma nova vulnerabilidade em nossos sistemas de previsão e defesa de infraestruturas críticas.

O que você vai ler aqui:

  • Cientistas descobriram vórtices magnéticos compactos entre o Sol e a Terra;
  • Esses “tornados espaciais” explicam tempestades geomagnéticas sem origem solar clara;
  • Diferentemente das CMEs, eles se formam localmente no espaço interplanetário turbulento;
  • Simulações detalhadas mostraram cordas de fluxo magnético gerando campos intensos e duradouros.;
  • Esses campos podem sozinhos causar apagões e danificar satélites terrestres e orbitais;
  • Pesquisadores alertam que novos satélites serão vitais para detectar essas ameaças.

Tempestades geomagnéticas sem erupções solares prévias chamaram atenção

Até hoje, o principal vilão da meteorologia espacial era um fenômeno bastante falado aqui no Olhar Digital: as Ejeções de Massa Coronal (CMEs) – gigantescas erupções na superfície do Sol que disparam bolhas de plasma e campos magnéticos no espaço a velocidades assombrosas, podendo ultrapassar os 2.800 km/s. Quando essa massa de energia colide com o escudo magnético da Terra, esse encontro pode ter efeitos visualmente fascinantes, outros até devastadores.

As consequências mais conhecidas são as auroras, um espetáculo de luzes nos céus dos extremos norte (boreais) e sul (austrais). No entanto, a mesma interação pode gerar tempestades geomagnéticas severas, capazes de induzir correntes elétricas anormais no solo, que podem fluir para as redes de energia, sobrecarregando e destruindo transformadores e causando apagões em larga escala. Além disso, elas podem danificar a eletrônica de satélites em órbita, interrompendo serviços de GPS, comunicações e transmissões de TV.

O enigma que motivou a nova pesquisa surgiu quando especialistas notaram, repetidamente, a ocorrência de tempestades geomagnéticas na Terra em períodos em que nenhuma CME era esperada. Efeitos mensuráveis apareciam sem uma causa solar aparente, deixando os cientistas intrigados. Isso levantou uma questão crucial: poderiam existir eventos climáticos espaciais perigosos se formando de maneira autônoma no meio do caminho, no espaço interplanetário?

Cordas de fluxo (simuladas, à direita) são estruturas compostas por linhas de campo magnético que se enrolam umas nas outras como uma corda, que se assemelham a tornados na Terra. Crédito: NOAA, Mojtaba Akhavan-Tafti e Chip Manchester

A equipe de pesquisa teorizou que a resposta poderia estar em estruturas chamadas “cordas de fluxo magnético” – feixes de campos magnéticos intensamente torcidos sobre si mesmos, como uma corda. O grande desafio era como encontrá-las. Os modelos computacionais existentes, projetados para rastrear as gigantescas CMEs, dividem o espaço entre o Sol e a Terra em cubos de análise com cerca de 1,6 milhão de quilômetros de lado. Nessa escala, tentar ver uma corda de fluxo seria como tentar localizar um tornado individual usando um mapa-múndi que só mostra continentes. A estrutura seria pequena demais para ser registrada.

Descoberta é empolgante para a ciência – mas, preocupante para a Terra

Após uma busca frustrada em simulações antigas, a primeira pista surgiu quando os cientistas decidiram focar sua atenção na turbulenta fronteira onde uma CME veloz colide com o vento solar mais lento que viaja à sua frente. Ali, mesmo nos modelos de baixa resolução, eles notaram um sistema fraco de cordas de fluxo que se formava, mas que era pequeno demais para sobreviver na simulação e logo se dissipava.

Essa foi a “agulha no palheiro” que eles precisavam. A equipe então desenvolveu uma abordagem computacional inovadora. Em vez de tentar rodar uma simulação de altíssima resolução para todo o Sistema Solar, eles criaram um modelo que aplicava um “zoom” de alta definição apenas ao longo da trajetória onde as cordas de fluxo deveriam se formar. O resultado foi uma visão quase 100 vezes mais detalhada do que era possível anteriormente.

A simulação em alta resolução mostrou que, no choque entre a erupção solar e o vento solar, uma complexa e caótica constelação de cordas de fluxo magnético se formava. Essas estruturas eram muito mais resistentes, complexas e duradouras do que se imaginava. Os pesquisadores compararam o fenômeno a uma grande frente de tempestade (a CME) que, ao avançar, gera uma série de tornados violentos e independentes em sua borda.

A análise confirmou que os campos magnéticos dentro desses “tornados espaciais” eram fortes o suficiente para desencadear, sozinhos, uma tempestade geomagnética significativa na Terra.

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Em um artigo sobre a pesquisa, publicado no site The Conversation, os autores Mojtaba Akhavan-Tafti e W. Manchester, do Programa de Investigação em Clima Espacial (SWIFT), revelaram que a descoberta, embora empolgante, é profundamente preocupante, considerando que nossos sistemas de monitoramento atuais, geralmente baseados em satélites únicos que medem o ambiente espacial em um só ponto, poderiam facilmente ignorar essa ameaça. 

Segundo eles, um satélite poderia registrar a passagem de uma dessas cordas de fluxo como um pequeno e breve “ponto” ou anomalia, sem reconhecer a estrutura magnética concentrada e potencialmente perigosa se aproximando da Terra.

“Precisaríamos de múltiplos satélites para observar diretamente essas cordas de fluxo com mais detalhes, para que os cientistas pudessem prever com mais confiabilidade se, quando e em que orientação elas afetariam nosso planeta e qual seria o resultado”, explicam os pesquisadores. “A boa notícia é que cientistas e engenheiros estão desenvolvendo as missões espaciais de próxima geração que poderiam abordar esse problema.”

Akhavan-Tafti e Manchester destacam que somente com medições simultâneas de vários pontos será possível construir uma imagem tridimensional dessas estruturas, prever sua trajetória e nos dar o tempo necessário para proteger nossa sociedade, cada vez mais dependente da tecnologia.

Flavia Correia
Redator(a)

Jornalista formada pela Unitau (Taubaté-SP), com Especialização em Gramática. Já foi assessora parlamentar, agente de licitações e freelancer da revista Veja e do antigo site OiLondres, na Inglaterra.