A inteligência artificial deixou de ser promessa e já transforma indústrias inteiras. Do varejo às finanças, da educação à saúde, empresas de todos os portes buscam incorporar algoritmos capazes de aprender padrões, automatizar decisões e ampliar a eficiência de processos.
No Brasil, o movimento também ganha força em setores como o da saúde, em que a IA começa a aliviar a sobrecarga burocrática.
Gerir um CNPJ no Brasil é um desafio até para quem estudou administração. Para médicos, cuja formação é totalmente voltada à assistência e à saúde, o peso da burocracia tributária se torna um obstáculo real e tecnológico.
Segundo o relatório Doing Business, do Banco Mundial, o Brasil é o país onde as empresas dedicam mais tempo ao cálculo, à declaração e ao pagamento de tributos.
“Os médicos brasileiros enfrentam uma das maiores complexidades tributárias do mundo. O país está no fim do ranking do Banco Mundial em termos de simplicidade fiscal”, explica André Servaes, CEO da Selvia, startup que desenvolve soluções digitais para gestão financeira e tributária de profissionais da saúde, em entrevista concedida ao Olhar Digital.
Segundo ele, muitos médicos trabalham como pessoa jurídica, atendendo em diferentes hospitais, e acabam perdendo tempo e dinheiro em tarefas administrativas.
“Em média, um médico perde um terço do tempo com burocracias e chega a pagar entre R$ 1 milhão e R$ 1,5 milhão a mais em impostos ao longo da carreira”, afirma.
A aposta central da Selvia está na tecnologia aplicada ao cotidiano médico, em especial, inteligência artificial e automação via WhatsApp: “Nosso foco é eficiência. Criamos algoritmos que eliminam o risco de erro humano e garantem que o médico pague o imposto exato, nem mais, nem menos”, diz Servaes.

A contabilidade que “mora” no WhatsApp
- O WhatsApp foi escolhido como interface principal por uma razão simples: é o aplicativo mais usado pelos brasileiros.
- “Todo mundo sabe usar. Até quem tem dificuldade com tecnologia consegue se comunicar com facilidade pelo app”, observa o CEO.
- A startup desenvolveu uma integração que permite ao médico emitir notas fiscais, acompanhar pagamentos e até autorizar transferências por mensagens no aplicativo.
- A IA atua como um assistente financeiro virtual, capaz de responder dúvidas, organizar dados tributários e executar tarefas automatizadas 24 horas por dia.
André compara o sistema a um assistente pessoal democratizado: “Poucas pessoas podem pagar um assistente que trabalhe o tempo todo. A IA permite oferecer essa experiência a um custo muito menor e com precisão de dados.”
Para evitar o problema das chamadas “alucinações” de sistemas de IA, quando a máquina gera informações incorretas, a equipe da Selvia desenvolveu algoritmos, calibrados para lidar com números e contextos fiscais.
“Não dá para o sistema errar valores de imposto ou emitir notas com dados errados. Tivemos que criar nossa própria infraestrutura para melhorar essa exatidão”, explica.
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Da contabilidade à conta PJ inteligente
A plataforma também se expandiu para a área bancária, com uma conta PJ automatizada criada em parceria com a Celcoin, empresa de infraestrutura financeira. O sistema identifica quando um hospital deposita o pagamento de um plantão, calcula automaticamente os impostos e transfere o valor líquido para a conta pessoal do médico.
“Tudo isso acontece em segundos, e o profissional recebe um relatório no WhatsApp. O objetivo é eliminar o retrabalho e o risco de pagar impostos atrasados, algo comum entre médicos”, afirma o CEO.
De acordo com ele, cerca de dois terços dos médicos no Brasil atrasam impostos regularmente, o que gera multas elevadas. Entre os usuários da Selvia, esse número caiu a zero.
IA aplicada com propósito
Embora a inteligência artificial esteja no centro da operação, André ressalta que o objetivo não é vender IA, mas resolver um problema real.
“A inteligência artificial é só o meio. O resultado é o médico economizar tempo, dinheiro e, principalmente, energia mental. Ele volta a ter tempo para o que realmente importa: cuidar de pacientes.”
Atualmente, a Selvia está presente em mais de 150 municípios brasileiros e mantém um índice de satisfação (NPS) de 96,5 – número raro em um setor em que a média de contabilidades tradicionais é de 39.
“O que mais ouvimos dos médicos é ‘agora não tenho mais dor de cabeça’. No fim, é isso que a tecnologia deve fazer: simplificar a vida das pessoas”, conclui Servaes.
