Gelo em Marte pode ser uma “cápsula do tempo” que guarda sinais de vida antiga

Simulações mostram que compostos biológicos congelados em gelo puro podem sobreviver à radiação extrema de Marte por milhões de anos
Flavia Correia20/10/2025 13h55
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Imagem meramente ilustrativa de uma "cápsula do tempo" contendo sinais de vida no gelo de Marte. Crédito: Gerada por IA/Gemini
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Se Marte já abrigou vida em um passado remoto, sinais moleculares podem ainda estar guardados sob o gelo do planeta. É o que diz um estudo publicado recentemente na revista Astrobiology, conduzido em parceria entre a NASA e a Universidade Estadual da Pensilvânia.

Segundo a pesquisa, fragmentos de moléculas microbianas antigas teriam o potencial de sobreviver no gelo marciano por dezenas de milhões de anos – tempo suficiente para que futuras missões espaciais possam abrir essa “cápsula do tempo” e localizá-las.

O gelo subterrâneo em Marte foi fotografado pela primeira vez em 2008 pela missão Phoenix, da NASA. Crédito: NASA/JPL-Caltech/Universidade do Arizona/Universidade Texas A&M

Em resumo:

  • Proteínas são constituídas por aminoácidos, compostos que conseguem se preservar por muito tempo em gelo puro, mesmo em condições semelhantes extremas como as de Marte;
  • Essa sobrevivência pode se estender por até 50 milhões de anos, um tempo que supera a idade da maioria dos depósitos de gelo atualmente expostos na superfície marciana;
  • A presença de sedimentos e minerais no gelo, entretanto, acelera drasticamente a degradação dessas moléculas, tornando o gelo puro um ambiente mais propício à conservação;
  • Temperaturas ainda mais baixas, semelhantes às das luas Europa, de Júpiter, e Encélado, de Saturno, otimizam ainda mais a taxa de preservação de biomoléculas;
  • Essas informações orientam futuras explorações de Marte, priorizando regiões com gelo puro na busca por sinais de vida.

Estudo aprofunda busca por vida em Marte

Para chegar a essas conclusões, a equipe realizou experimentos meticulosos em laboratório, replicando as rigorosas condições encontradas em Marte. Amostras da bactéria Escherichia coli foram congeladas em dois cenários distintos: em gelo de água pura e em uma mistura de água e elementos presentes no solo marciano, como rochas de silicato e argila

Representação artística 3D da Escherichia coli, bactéria usada em experimento em ambiente de laboratório similar a Marte. Crédito: ART-ur – Shutterstock

As amostras foram submetidas a uma temperatura de -51,1 graus Celsius, similar à das regiões mais frias e geladas de Marte, e então expostas a níveis de radiação equivalentes a 20 milhões de anos no Planeta Vermelho. Modelagens estenderam esses resultados para representar até 50 milhões de anos de exposição.

Os resultados mostraram uma diferença marcante na sobrevivência das moléculas orgânicas entre os dois ambientes. Enquanto mais de 10% dos aminoácidos originais permaneceram intactos após a simulação de 50 milhões de anos no gelo puro, aqueles na mistura com solo degradaram-se dez vezes mais rápido e não sobreviveram. 

Isso acontece porque a radiação age de maneira diferente sobre as moléculas nos dois ambientes. No gelo puro, subprodutos da radiação, como os radicais livres, ficam retidos e imobilizados, desacelerando a degradação química das biomoléculas. Em contraste, os minerais presentes no solo marciano parecem criar finas películas líquidas que permitem o movimento de partículas destrutivas, causando mais danos.

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Qualquer sinal de vida presente no gelo marciano seria preservado

Christopher House, coautor do estudo e professor de geociências, ressaltou a importância desses achados em um comunicado. “Cinquenta milhões de anos é um tempo muito superior à idade esperada para alguns depósitos de gelo na superfície de Marte, que geralmente têm menos de dois milhões de anos. Isso significa que qualquer vida orgânica presente no gelo seria preservada”, explicou House. 

A cratera Korolev, coberta por gelo o ano todo, demonstra o tipo de ambiente onde, segundo o estudo, o gelo subterrâneo de Marte pode preservar vestígios de vida orgânica antiga. Crédito: ESA/DLR/FU Berlim

“Esses resultados indicam que o gelo puro ou regiões dominadas por gelo são, de fato, os lugares ideais para buscar material biológico recente em Marte”, complementou Alexander Pavlov, principal autor do estudo e cientista espacial do Centro de Voos Espaciais Goddard da NASA.

Essa pesquisa representa um avanço significativo na astrobiologia, fornecendo uma base científica sólida para o planejamento de futuras missões a Marte. Os resultados sugerem que focar a exploração em depósitos de gelo puros ou predominantes pode otimizar as chances de descoberta. 

Além disso, o estudo auxilia no design de ferramentas e tecnologias capazes de perfurar esses depósitos subsuperficiais. Com a maioria dos depósitos de gelo de Marte estimada em menos de dois milhões de anos, a esperança é que quaisquer traços biomoleculares de um período habitável mais recente possam ter sido preservados, abrindo uma nova janela para compreender a história da vida extraterrestre e as implicações para a vida na Terra.

Flavia Correia
Redator(a)

Jornalista formada pela Unitau (Taubaté-SP), com Especialização em Gramática. Já foi assessora parlamentar, agente de licitações e freelancer da revista Veja e do antigo site OiLondres, na Inglaterra.