Veneno de aranha pode controlar tumor cerebral, segundo pesquisa brasileira

Substância é capaz de quebrar a barreira hematoencefálica, que controla a passagem de moléculas do sangue para o sistema nervoso central
Por Bruna Barone, editado por Bruno Capozzi 20/10/2025 05h56
aranha armadeira
Veneno da armadeira age diretamente nas células da glia, conhecidas como astrócitos (Imagem: TacioPhilip/iStock)
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Pode soar estranho associar veneno com tratamento de saúde, mas é exatamente isso o que propõe uma pesquisa conduzida na Unicamp. O estudo descobriu que o veneno da aranha armadeira (Phoneutria nigriventer), também conhecida como aranha da bananeira, comum no Sul e Sudeste do Brasil, é capaz de reduzir a migração de células de tumores cerebrais de diferentes graus de malignidade.

Para os testes, foram coletadas 14 amostras de células tumorais de pacientes do Setor de Neurocirurgia Oncológica da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Em três delas, a equipe analisou como as moléculas reagem isoladamente ao veneno. “Vimos que tumores com diferentes graus, ou seja, independente do perfil molecular, foram responsivos ao veneno, reduzindo a migração. A ação funciona em diferentes gliomas”, explicou a biomédica Natália Barreto dos Santos, ao Jornal da Unicamp.

O experimento resultou na tese de doutorado da pesquisadora dentro do programa de Biologia Molecular e Morfofuncional do Instituto de Biologia da universidade. “É muito importante esse caráter translacional, que sai da pesquisa básica para a aplicação humana”, indica a orientadora da tese, professora Catarina Rapôso, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, que há mais de vinte anos pesquisa veneno de animais peçonhentos. “Sempre acreditei na aplicação farmacológica dos venenos.”

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Equipe analisou como as células tumorais reagem isoladamente ao veneno (Imagem: TacioPhilip/iStock)

Quebrando barreiras (literalmente)

No Brasil, 11 mil novos casos de câncer do sistema nervoso central (cérebro ou medula espinhal) surgem todos os anos, sendo 88% no cérebro, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Uma das principais dificuldades de tratamento do glioblastoma — tipo mais comum e mais agressivo de tumor cerebral — é a maneira como a doença se espalha pelo parênquima, a parte do cérebro composta por neurônios e células gliais.

“Isso dificulta muito o tratamento. É por isso que ele é muito agressivo. Quando o cirurgião vai operar, ele não consegue pegar todos esses limites da difusão dos gliomas. Então fica ali parte do tumor e ele volta a crescer. O glioblastoma não tem cura. Mesmo que opere, responde pouco aos medicamentos”, explicou Rapôso à reportagem.

Ao longo dos anos, a orientadora observou que o efeito do veneno bruto da aranha armadeira era capaz de quebrar a barreira hematoencefálica, estrutura que controla a passagem de substâncias do sangue para o sistema nervoso central. Essa superproteção dos neurônios acaba limitando a ação de medicamentos para combater o tumor cerebral. Mas o veneno é capaz de “abrir” a barreira por cerca de doze horas, segundo Rapôso.

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Veneno se mostrou eficaz para reduzir a chance de invasão das células da glia
(Imagem: Vadym Plysiuk/iStock)

A partir daí, a equipe focou os experimentos nas células gliais, que desempenham funções de suporte, proteção, nutrição e regulação para os neurônios. Nos testes, o veneno da armadeira agiu diretamente nas células da glia, conhecidas como astrócitos, que, ao sofrerem mutações, geram os gliomas (tumores). Esse efeito ajuda a reduzir justamente a chance de invasão das células da glia. 

Em uma etapa anterior, a equipe estudou a ação do veneno no glioblastoma a partir de uma linhagem já disponível no banco de amostras em laboratório. No doutorado, as células do veneno foram isoladas e a coleta de amostras humanas ampliou o leque de subtipos de gliomas menos agressivos, como o astrocitoma. “Estamos usando agora as células sintéticas. Isso é um passo muito importante para chegarmos a um fármaco, porque já testamos as sintéticas, que têm o mesmo efeito nos tumores”, explica Rapôso.

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O que vem depois

Neste mês, a doutorando iniciará uma parceria com a Universidade da Califórnia (UCLA), nos Estados Unidos, para aprender novas técnicas de avaliação do mecanismo de ação de moléculas. Ela continuará a investigação das células isoladas em seu pós-doutorado na Faculdade de Ciências Farmacêuticas. A pesquisa mais recente ganhou o Prêmio Tese Destaque 2024/2025 da Unicamp.

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Investigação das células isoladas será continuada na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Unicamp (Imagem: Danilo Oliver/Shutterstock)

“Conseguimos isolar duas moléculas que têm efeitos diferentes, mas complementares. Nós chamamos estas duas moléculas de LW9 e LW11. Já patenteamos a LW9 junto com um quimioterápico, fazendo um produto associado. Também vamos patentear a LW11 associada à LW9”, anunciou a pesquisadora ao jornal. Já as amostras de células tumorais foram congeladas em um biobanco para pesquisas futuras.

A equipe também pretende iniciar testes com a Anvisa com foco no câncer de mama. Em outra frente, o laboratório tem uma parceria com uma clínica veterinária para uma pesquisa voltada para uso em animais, que pode resultar em um medicamento veterinário. “Câncer é uma doença que demanda controle, para que a pessoa, ou animal, tenha uma expectativa de vida longa e com qualidade. A pesquisa traz algo a mais para ajudar nesse controle”, diz a orientadora.

Bruna Barone
Colaboração para o Olhar Digital

Bruna Barone é formada em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Atuou como editora, repórter e apresentadora na Rádio BandNews FM por 10 anos. Atualmente, é colaboradora no Olhar Digital.

Bruno Capozzi é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, tendo como foco a pesquisa de redes sociais e tecnologia.