Domo de Ouro: corrida pelo controverso escudo antimísseis de R$ 16,1 tri dos EUA

Apex e outras empresas estão trabalhando em partes fundamentais para fazer escudo estadunidense antimísseis funcionar
Rodrigo Mozelli23/10/2025 21h31
Ilustração mostra um interceptador espacial disparado de um satélite em órbita baixa da Terra
Ilustração mostra interceptador espacial disparado de satélite em órbita baixa da Terra (Imagem: Divulgação/Apex)
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A Apex, uma startup da Califórnia (EUA), anunciou que demonstrará — por sua própria conta — um elemento central da proposta de defesa antimísseis dos Estados Unidos conhecida como Domo de Ouro: interceptores baseados no Espaço capazes de serem lançados e operados a partir de plataformas em órbita.

O projeto da empresa, chamado Project Shadow, pretende provar que uma “constelação operacional” de interceptores em órbita pode ser implantada no prazo que, segundo a própria Apex, o país precisa. A companhia descreve seu conceito como um “Orbital Magazine”: um veículo-orbitador que hospedará múltiplos interceptores e, após ser colocado em órbita, os liberará e comandará.

No anúncio público, o cofundador e CEO da Apex, Ian Cinnamon, afirmou: “O Apex foi criado para se mover rapidamente e é exatamente disso que os Estados Unidos e nossos aliados precisam para garantir que vençamos a Nova Corrida Espacial.”

Em comunicado adicional, Cinnamon disse: “Em menos de um ano, lançaremos a plataforma hospedeira para interceptadores espaciais, chamada Orbital Magazine, que implantará vários protótipos de interceptadores de mísseis em órbita.”

Fábrica de satélites da Apex em Los Angeles
Fábrica de satélites da Apex em Los Angeles (EUA) (Imagem: Divulgação/Apex)

Domo de Ouro: onde a Apex se encaixa?

  • Segundo a empresa, o lançamento de demonstração do Project Shadow está previsto para junho de 2026;
  • Uma vez em órbita, a espaçonave de demonstração deverá liberar dois interceptores, cada um acionando um motor foguete sólido de alto impulso fornecido por um terceiro;
  • A Apex informou que o Orbital Magazine provará sua capacidade de controlar ambientalmente os interceptores, emitir um comando de controle de tiro e fechar um enlace cruzado em espaço para enviar atualizações em tempo real após o desdobramento;
  • A empresa calcula que o Orbital Magazine em seu projeto poderia, no futuro, transportar mais de cinco toneladas de carga de interceptores, permitindo que “milhares de SBIs [space-based interceptors, ou interceptadores baseados no Espaço] sejam colocados em órbita”;
  • A Apex declarou ainda que está investindo cerca de US$ 15 milhões (R$ 80,7 milhões, na conversão direta) do próprio caixa no Project Shadow e que trabalha com parceiros pelas “partes principais do interceptador e análise da missão”, sem, no entanto, identificar publicamente todos os nomes.

Uma possível fornecedora de propulsão citada no texto é a Anduril Industries, companhia de defesa fundada por Palmer Luckey em 2017; Apex e Anduril já colaboraram anteriormente.

Além da Apex

A Apex não é a única empresa a se posicionar em torno da iniciativa Domo de Ouro. Grandes empreiteiras de defesa estadunidenses já manifestaram interesse ou estão desenvolvendo tecnologias relacionadas.

Em uma chamada de resultados trimestrais, o CEO da Lockheed Martin, James Taiclet, disse: “Na verdade, estamos planejando uma demonstração real de um interceptador em órbita, baseado no Espaço, até 2028”, sem dar mais detalhes. Taiclet afirmou também que a empresa está acelerando a capacidade de produção nos setores de mísseis, sensores, sistemas de gerenciamento de batalha e integração de satélites.

Executivos da Northrop Grumman também indicaram envolvimento na área. O Ars Technica afirma que a CEO da companhia, Kathy Warden, disse que a empresa realiza “testes baseados em solo” de tecnologia relacionada a SBIs, embora não tenha detalhado estes testes; a Northrop Grumman é a principal fornecedora nacional de motores para foguetes sólidos, um componente-chave para interceptores espaciais.

Animação mostrando um interceptador espacial sendo implantado a partir de um carregador orbital
Animação mostrando interceptador espacial sendo implantado a partir de carregador orbital (Imagem: Divulgação/Apex)

Domo de Ouro vai blindar países em uma guerra no Espaço?

O Domo de Ouro — anunciado por ordem executiva assinada pelo presidente dos EUA, Donald Trump, no início de seu segundo mandato — é apresentado pelo governo como um escudo para defender os Estados Unidos contra mísseis balísticos e sistemas emergentes, como veículos planadores hipersônicos e drones.

A administração estimou, em maio, um custo de US$ 175 bilhões (R$ 942,1 bilhões) nos próximos três anos; porém, independentemente desse número inicial, analistas apontam projeções de custo de longo prazo muito maiores, com estimativas variando de US$ 500 bilhões (2,6 trilhões) a mais de US$ 3 trilhões (R$ 16,1 trilhões). O Pentágono ainda não divulgou uma arquitetura detalhada do programa, o que aumenta a incerteza sobre custos e alcance.

O componente de interceptores em órbita — semelhante ao conceito anunciado por Ronald Reagan há quatro décadas na chamada Iniciativa Estratégica de Defesa (apelidado de “Star Wars”) — volta a ser o elemento mais controverso.

Assim como no passado, a ideia envolve uma frota de interceptores em órbita, pairando a algumas centenas de quilômetros acima da superfície, prontos para engajar mísseis logo após o disparo.

O número exato de interceptores necessários para defender os EUA de um ataque de múltiplos mísseis não foi divulgado pelos oficiais do Pentágono, mas espera-se que, provavelmente, será “na casa dos milhares.”

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Apex e estratégia de aquisição do Pentágono

No mês anterior ao anúncio, o Departamento de Defesa publicou um pedido de propostas para protótipos de SBIs. A estratégia de aquisição descrita pela Força Espacial prevê a assinatura de acordos com múltiplas empresas para desenvolver e demonstrar SBIs e competir por prêmios.

Trata-se de uma abordagem incomum: contratações que exigem que as empresas invistam recursos próprios para construir e lançar protótipos, na tentativa de, depois, ganharem contratos de produção mais volumosos.

Cinnamon ressaltou a maturidade tecnológica necessária para o projeto: “Todas as peças necessárias para torná-lo viável existem. Elas estão lá fora”, e listou elementos como satélites, boosters, buscadores, controle de fogo, atualizações de alvos em voo (IFTUs) e links inter-satélites. Segundo ele, o desafio principal é integrar essas peças sob um comando e controle sofisticado, e também ter “o suficiente deles no Espaço para realmente ter o impacto necessário”.

Motor de foguete sólido projetado para o veículo de ascensão da missão de Retorno de Amostras de Marte da NASA sendo testado
Motor de foguete sólido projetado para o veículo de ascensão da missão de Retorno de Amostras de Marte da NASA foi testado pela Northrop Grumman em 2023; um motor de foguete semelhante poderia ser usado em interceptadores espaciais (Imagem: Divulgação/Apex)

Perfil e trajetória da Apex

A Apex, sediada em Los Angeles (EUA), foi fundada em 2022 e já arrecadou mais de US$ 500 milhões (R$ 2,6 bilhões) de investidores. A companhia lançou seu primeiro satélite em 2024, apenas dois anos após a fundação, e, em fevereiro, venceu um contrato de US$ 46 milhões (R$ 247,6 milhões) com A Força Espacial para fornecer ao militar um número não especificado de satélites até 2032.

A empresa afirma que seus satélites são capazes de executar diversas missões: sensoriamento remoto e observação da Terra, comunicações, processamento de borda com inteligência artificial (IA) e demonstrações tecnológicas. A maior plataforma da Apex comporta cargas úteis de até 500 quilos e possui potência suficiente para suportar conectividade direta para celulares e missões de vigilância governamental.

A Apex informou que continuará a divulgar atualizações sobre o Project Shadow à medida que o lançamento se aproximar. Outras empresas, tanto startups quanto grandes contratistas de defesa, continuam a sinalizar intenção de demonstrar e escalar tecnologias relacionadas a SBIs, numa competição por uma fatia potencialmente trilionária que pode resultar da implementação do Domo de Ouro.

Embora a viabilidade técnica do Domo seja amplamente aceita por executivos da indústria, o programa enfrenta críticas por seu custo incerto e por potenciais efeitos sobre a estabilidade estratégica global.

Legisladores democratas mencionaram preocupações relacionadas aos elevados custos, à falta de definição e às implicações de segurança internacional. Diferentemente da reação ao programa dos anos 1980, no entanto, hoje, há menos ceticismo público quanto à possibilidade técnica de construir um escudo do tipo do Domo de Ouro.

Rodrigo Mozelli é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e, atualmente, é redator do Olhar Digital.