Lobos têm mais medo de humanos que de cães

Estudo europeu revela que lobos fogem de vozes humanas mais do que de cães, desmontando o mito dos “lobos destemidos”.
Por Maurício Thomaz, editado por Lucas Soares 23/10/2025 06h40
Lobos ainda temem humanos, mostra estudo feito em floresta da Polônia
Lobos ainda temem humanos, mostra estudo feito em floresta da Polônia (Imagem: Volodymyr Burdiak / Shutterstock)
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Mesmo com décadas de proteção ambiental, os lobos continuam a demonstrar medo dos seres humanos. Um novo estudo conduzido por pesquisadores da Western University, no Canadá, concluiu que esses animais ainda veem as pessoas como a maior ameaça em seu ecossistema — mais até do que outros grandes predadores, como cães. As informações são do portal Arstechnica.

A pesquisa surgiu após o Parlamento Europeu, em maio de 2025, mudar o status dos lobos na União Europeia de “estritamente protegidos” para apenas “protegidos”. A decisão abriu espaço para a caça sob determinadas condições, como a proteção de rebanhos, sustentada por alegações de que os lobos haviam se tornado “destemidos” diante da ausência de caça. No entanto, os cientistas afirmam que não há base científica para essa ideia.

Estudo conduzido por pesquisadores da Western University, no Canadá, concluiu que os lobos ainda veem as pessoas como a maior ameaça em seu ecossistema (Imagem: Pat-s pictures / Shutterstock)

Estudo confirma que lobos continuam a evitar humanos

Para investigar se os lobos realmente perderam o medo das pessoas, os biólogos Liana Zanette e Michael Clinchy instalaram 24 câmeras com sensores sonoros na Floresta de Tuchola, no norte da Polônia — uma das maiores áreas florestais da Europa Central. Após a reintrodução da espécie no país nos anos 1990, a população de lobos cresceu para cerca de 4.300 indivíduos em 2022, com mais de 15 alcateias vivendo apenas na Tuchola Forest.

As armadilhas sonoras reproduziam três tipos de sons aleatórios:

  • Canto de pássaros, usado como controle;
  • Latido de cães, representando outro predador de grande porte;
  • Vozes humanas falando calmamente em polonês.

Os resultados mostraram que os lobos reagiam de forma tranquila ao som dos pássaros, mas ficavam mais inquietos diante dos latidos de cães. No entanto, o som de pessoas conversando provocou a reação mais intensa: os lobos fugiram duas vezes mais rápido e com o dobro de frequência em comparação com os outros sons.

Segundo Clinchy, esse padrão reflete pesquisas anteriores na África, nas quais espécies como leopardos e hienas demonstraram temer os humanos mais do que leões. “Somos os superpredadores. Matamos em taxas muito mais altas do que qualquer outro predador na Terra”, explica Zanette.

Cientistas "ressuscitam" lobos de "Game of Thrones"
Pesquisa de lobos é similar a algumas feitas na África, em que foi constatado que espécies como leopardos e hienas demonstraram temer os humanos mais do os que leões (Crédito: Colossal Biosciences)

Caça não reduz o medo — mas o alimento humano atrai lobos

Apesar do temor comprovado, os pesquisadores alertam que o aumento dos encontros entre lobos e pessoas está relacionado não à falta de medo, mas à busca por alimento fácil. “Temos uma enorme quantidade de comida disponível, de alta qualidade, e isso atrai lobos famintos que assumem o risco de se aproximar”, afirma Zanette.

A equipe também contesta a ideia de que liberar a caça resolveria o problema. Mesmo sob proteção legal, humanos já matam lobos em taxas sete vezes superiores à mortalidade natural. Em países como a França, até 20% da população de lobos pode ser abatida anualmente com autorização.

Os cientistas defendem que o foco do debate sobre convivência deve mudar:

  • Educação pública sobre armazenamento de alimentos e descarte de lixo;
  • Proteção adequada de rebanhos e criações;
  • Prevenção de situações que atraiam lobos para áreas urbanas.
Um bando de lobos cinzentos indianos se movendo pela selva.
Mesmo sob proteção legal, humanos já matam lobos em taxas sete vezes superiores à mortalidade natural (Imagem: Shutterstock / Foto DiversePixels)

Apesar de relatos ocasionais de ataques, não há registro de mortes causadas por lobos na Europa nos últimos 40 anos. Casos recentes na Polônia envolveram apenas ferimentos leves em crianças e encontros breves com trabalhadores florestais.

O estudo reforça que os lobos continuam a temer os humanos — e que o verdadeiro desafio está em evitar que a busca por comida os leve a correr riscos desnecessários.

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Maurício Thomaz
Colaboração para o Olhar Digital

Jornalista com mais de 13 anos de experiência, tenho faro pela audiência e verdadeira paixão em buscar alternativas mais assertivas para a entrega do conteúdo ao usuário.

Lucas Soares
Editor(a)

Lucas Soares é jornalista formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e atualmente é editor de ciência e espaço do Olhar Digital.