Amazon: documento diz que big tech não revela real gasto de água

Executivos da empresa teriam discutido formas de evitar a divulgação completa dos dados para não prejudicar reputação da empresa
Rodrigo Mozelli26/10/2025 11h46, atualizada em 27/10/2025 22h03
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Um documento interno vazado revelou que a Amazon elaborou estratégias para manter em sigilo o consumo total de água de seus data centers, os maiores do mundo.

Segundo o material obtido pelo The Guardian e pelo coletivo investigativo SourceMaterial, executivos da empresa discutiram formas de evitar a divulgação completa dos dados para não prejudicar sua reputação, em um momento em que planeja uma grande expansão de infraestrutura para impulsionar seus projetos de inteligência artificial (IA).

Exemplo de data center
Acusações vêm em momento no qual empresa quer ampliar sua infraestrutura (Imagem: Gorodenkoff/Shutterstock)

Embora Microsoft e Google publiquem regularmente seus números de consumo de água, a Amazon nunca revelou publicamente quanto seus servidores utilizam.

O documento mostra que, ao desenvolver uma campanha de eficiência hídrica, a divisão de computação em nuvem da empresa, a Amazon Web Services (AWS) — que sofreu pane mundial na semana passada —, optou por contabilizar apenas parte do uso total, excluindo categorias que pudessem elevar as estimativas e gerar repercussão negativa.

De acordo com o memorando, a Amazon consumiu 105 bilhões de galões de água em 2021 — volume equivalente ao abastecimento de 958 mil residências nos EUA, o suficiente para uma cidade maior que San Francisco.

Questionada sobre o vazamento pelo Olhar Digital, a porta-voz da empresa, Margaret Callahan, afirmou que o documento é “obsoleto”, está desatualizado há mais de três anos e que “deturpa completamente a estratégia atual de uso de água da Amazon”. Segundo ela, “a existência de um documento não garante sua precisão ou versão final”.

Documento contradiz a Amazon

  • O memorando foi produzido um mês antes do lançamento da campanha “Water Positive”, em novembro de 2022, na qual a AWS prometeu “devolver mais água do que consome” até 2030;
  • Na fase de planejamento, executivos da empresa discutiram se deveriam incluir o uso de “água secundária” — aquela utilizada na geração de eletricidade que alimenta os data centers;
  • O grupo alertou que a transparência total seria “uma via de mão única” e recomendou manter as projeções confidenciais, mesmo reconhecendo o risco de acusações de encobrimento. “Amazon esconde seu consumo de água” foi uma das manchetes negativas previstas no documento;
  • A empresa decidiu usar apenas o dado de uso primário de água, estimado em 7,7 bilhões de galões anuais — o equivalente a 11,6 mil piscinas olímpicas — e estabeleceu a meta de reduzi-lo para 4,9 bilhões até 2030. O consumo secundário não foi incluído;
  • Segundo os autores do memorando, incorporar a estimativa mais ampla dobraria o tamanho e o orçamento da campanha “sem tratar riscos operacionais, regulatórios ou de reputação significativos”.

Fachada de prédio da Amazon com logo da empresa
Big tech teria escondido parte dos números em prol de sua reputação (Imagem: Golden Shrimp/Shutterstock)

Especialistas se preocupam

Para cientistas, a omissão é significativa. “Na ciência ambiental, é prática padrão incluir ambos os tipos de uso para capturar com mais precisão o verdadeiro custo hídrico dos data centers”, disse Shaolei Ren, professor da Universidade da Califórnia, em Riverside (EUA) ao Guardian.

Atualmente, a campanha Water Positive continua em vigor sem contabilizar o uso secundário e a Amazon segue sem divulgar seu consumo total, segundo o periódico britânico. A empresa, avaliada em US$ 2,4 trilhões (R$ 12,9 trilhões, na conversão direta), está construindo novos data centers em regiões de escassez hídrica, conforme revelou o mesmo consórcio de investigação.

Em relatório de sustentabilidade divulgado em agosto, a AWS afirmou ter alcançado 53% de sua meta Water Positive, com projetos de “reposição hídrica” desenvolvidos em parceria com a organização Water.org, cofundada pelo ator Matt Damon.

O documento interno, porém, mostra que cerca de metade dos US$ 109 milhões (R$ 587,4 milhões) previstos para esses projetos seria gasta de qualquer forma, seja por exigências regulatórias ou por benefícios diretos às operações da AWS.

“Independentemente dos tipos de compensação adotados, isso não anula a pegada hídrica das próprias operações”, afirmou Tyler Farrow, gerente de padrões da Alliance for Water Stewardship, que classificou como enganosa a expressão “água positiva”. Callahan rebateu dizendo que o investimento é voluntário e que a empresa ampliou as metas originais “porque é o certo a se fazer”.

Denúncia de funcionários

Ex-funcionário da companhia, Nathan Wangusi, que trabalhou como gerente de sustentabilidade hídrica, acusou a Amazon de influenciar a formulação de padrões da indústria para “minimizar seu impacto”.

Segundo ele, a empresa financiou instituições, como Nature Conservancy e World Resources Institute para desenvolver metodologias que “obscurecem a pegada hídrica”. As organizações negaram qualquer influência indevida. Callahan classificou as alegações como “contraditas pelos fatos”.

O documento também aponta que a Amazon optou por manter em sigilo estimativas de uso indireto de água – classificadas como “escopo 3” –, relacionadas à produção e construção de sua cadeia de suprimentos, incluindo agricultura para o Amazon Fresh e confecções para suas marcas de moda. Essa categoria representaria cerca de 90% da pegada hídrica total da companhia.

Você não precisa obscurecer”, disse Wangusi, que afirmou ter sido perseguido após criticar a abordagem da empresa. “Isso não te torna mais lucrativo. Te torna menos confiável.”

Água
Categoria “escopo 3” supostamente representa cerca de 90% da pegada hídrica total da companhia (Imagem: Siwakorn1933/Shutterstock)

A porta-voz da Amazon, contudo, explicou que o foco da empresa é em pegada híbrida direta, “em conformidade com os padrões do setor” e que “nenhum outro programa corporativo de água positiva abrange o uso de água de escopo 2 ou 3”.

O que diz a Amazon

A seguir, leia a nota completa enviada por Callahan ao Olhar Digital:

“A matéria do The Guardian se baseia em dados selecionados de um documento desatualizado que deturpa nossa estratégia hídrica, tornando as conclusões fundamentalmente equivocadas e enganosas. A existência de um documento não garante sua precisão ou finalidade — reuniões frequentemente remodelam documentos ou revelam conclusões ou alegações falhas. A verdade é que nos tornamos 40% mais eficientes no uso de água em nossos data centers desde 2021 e usamos menos água potável para operações de resfriamento em data centers em todo o mundo em 2024 do que em 2023. Também estamos bem encaminhados para atingir nossa meta de devolver mais água às comunidades do que usamos nas operações diretas de nossos data centers em todo o mundo até 2030. Na verdade, estamos à frente de muitas outras empresas nesse setor e continuamos investindo para nos tornarmos ainda mais eficientes à medida que apoiamos nossos clientes e comunidades em todo o mundo.

Pontos adicionais registrados:

O documento interno citado está obsoleto — desatualizado há mais de três anos — e deturpa completamente a estratégia atual de uso de água da Amazon.
O número de 7,7 bilhões de galões foi usado para descrever como seria o futuro se não fizéssemos melhorias ou melhorias de eficiência, mas fizemos. Desde 2021, a AWS reduziu a quantidade de água utilizada (por quilowatt-hora de carga de TI) em 40%.
Os modelos mencionados no documento eram preliminares e não verificados.
Assim como outros programas corporativos de água positiva, focamos em nossa pegada hídrica direta, em linha com as melhores práticas do setor, para garantir que estamos causando o impacto mais concentrado possível.
A Amazon é a maior compradora corporativa de energia renovável há 5 anos. Energias renováveis, como eólica e solar, consomem pouco ou nenhum uso de água.
Os gastos com reposição são voluntários — não há requisitos regulatórios em vigor — e expandimos muito além do que foi imaginado no documento porque é a coisa certa a fazer para o mundo e para as comunidades em que operamos.
Nosso foco é em nossa pegada hídrica direta, em conformidade com os padrões do setor. Nenhum outro programa corporativo de água positiva abrange o uso de água de escopo 2 ou 3.
Quantificar o benefício dos projetos de restauração de bacias hidrográficas é uma função importante do nosso trabalho de reposição de água. Esta é uma prática padrão — nossos clientes esperam que nos responsabilizemos por orientações confiáveis ​​e melhores práticas. Ajudamos especialistas do setor a desenvolver padrões que todo o setor pode usar e contamos com especialistas terceirizados para calcular os benefícios volumétricos de água para cada projeto que apoiamos, em conformidade com esses padrões do setor.
Os relatórios de uso de água da Amazon são baseados em dados de contas de serviços públicos reais, assegurados por terceiros, e não em estimativas ou autorrelatos. Especialistas independentes verificam e quantificam os benefícios de todos os nossos projetos de reposição de água.”


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Rodrigo Mozelli é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e, atualmente, é redator do Olhar Digital.