Grokipédia: como (e por que) Musk desafia a Wikipédia com enciclopédia de IA

Entenda como a enciclopédia criada pela xAI reforça o embate entre tecnologia, política e controle do conhecimento na era da IA
Por Pedro Spadoni, editado por Bruno Capozzi 28/10/2025 09h22, atualizada em 28/10/2025 11h19
Montagem com fotos de Elon Musk e do ícone do aplicativo da Wikipédia num iPhone
(Imagem: Frederic Legrand - COMEO e Primakov/Shutterstock)
Compartilhe esta matéria
Ícone Whatsapp Ícone Whatsapp Ícone X (Tweeter) Ícone Facebook Ícone Linkedin Ícone Telegram Ícone Email

Elon Musk decidiu enfrentar a Wikipédia no próprio território. O bilionário lançou a Grokipédia, enciclopédia digital alimentada por inteligência artificial (IA) e editada pela sua empresa xAI, na segunda-feira (27).

A Grokipédia foi apresentada como antídoto ao suposto “viés” da Wikipédia. Em postagens no X, Musk prometeu “expurgar a propaganda” que, segundo ele, contaminou a plataforma fundada há quase 25 anos.

Mais do que um novo produto, a Grokipédia expõe a disputa por neutralidade e poder informacional na era da IA: quem define o que é conhecimento público – e com quais critérios.

Grokipédia vs. Wikipédia: a disputa por neutralidade e poder no coração da internet

Desde 2001, a Wikipédia virou sinônimo de conhecimento aberto, editado por voluntários com base em fontes verificáveis. Nas últimas semanas, porém, voltou ao centro de uma campanha de críticas liderada por Larry Sanger (cofundador dissidente) e amplificada por Elon Musk e aliados políticos, que acusam o projeto de parcialidade “liberal/progressista”. 

O lançamento da Grokipédia é o ápice desse embate. E um movimento para reconfigurar quem estabelece o consenso do que é verdade online.

Grokipédia: IA, ideologia e o ecossistema de Musk

A Grokipédia estreou com mais de 800 mil verbetes gerados por IA — ainda distante dos quase oito milhões da Wikipédia, mas suficiente para chamar atenção.

Horas após ir ao ar, o site grokipedia.com chegou a sair do ar brevemente por instabilidade. A página inicial era minimalista, com um logotipo básico e uma barra de busca. 

Além do volume, chamaram atenção exemplos editoriais alinhados às posições públicas de Musk. Em temas sensíveis, como transição de gênero, a Grokipédia afirma que a base de evidências médicas é “limitada e de baixa qualidade”, enquanto a Wikipédia destaca que há décadas de compreensão científica acumulada. 

Em outra frente, o verbete sobre Parag Agrawal (ex-CEO do Twitter) ecoa acusações de Musk sobre subnotificação de bots — pontos ausentes no texto da Wikipédia. 

Até a autoentrada de Musk mistura a imagem de “visionário” com detalhes pitorescos, como “donuts matinais” e “várias Coca-Colas sem açúcar por dia”. 

Para críticos do novo site, o projeto expande o ecossistema de mídia e tecnologia controlado por Musk — do X (ex-Twitter) ao chatbot Grok — e cria uma infraestrutura informacional mais próxima de suas convicções políticas. 

A xAI não respondeu aos questionamentos sobre diretrizes editoriais e sobre a queda inicial do site feitos pelo jornal New York Times.

Wikipédia: neutralidade como política central

A diretora-executiva da Wikimedia Foundation, Maryana Iskander, diz que “não existe viés na Wikipédia se a pessoa entende como ela funciona”: um sistema de revisão por pares, com exigência de citar fontes confiáveis e supervisão de editores experientes. 

Logo do Wikipedia exibido em sua página oficial e ampliado por uma lupa
“Não existe viés na Wikipédia se a pessoa entende como ela funciona”, diz diretora-executiva da Wikimedia Foundation, Maryana Iskander (Imagem: DennisF/Shutterstock)

Para os defensores do site colaborativo, os ataques de Musk fazem parte de uma tentativa política de deslegitimar um recurso público essencial. 

O cofundador Jimmy Wales reforça que a neutralidade permanece política central e lembra que fontes têm pesos diferentes: “não tratamos sites aleatórios como iguais ao New England Journal of Medicine — e isso é normal”. 

Ao mesmo tempo, ele reconhece que críticas pontuais podem levar a ajustes, e diz estar liderando um grupo interno para promover neutralidade e pesquisa acadêmica sobre possíveis vieses. 

No campo oposto, Larry Sanger sustenta que os mecanismos de autocorreção “deixaram de funcionar”. E que um bloco “globalista, acadêmico, secular e progressista” domina edições sensíveis — tese que ganhou eco em setores conservadores.

Leia mais:

IA e o futuro da verdade: quem treina quem?

O confronto ocorre num momento em que a Wikipédia sofre pressões da própria IA. Em 2025, as visitas humanas caíram 8%, enquanto o tráfego de robôs/scrapers cresceu.

grok
A Grokipédia delega à IA – com curadoria da xAI – a tarefa de sintetizar o mundo num corpus enciclopédico (Imagem: Algi Febri Sugita/Shutterstock)

Na prática, a Wikipédia integra o combustível do treinamento de modelos de IA. Esses modelos, por sua vez, geram resumos instantâneos em buscadores e chats, o que desvia leitores das fontes originais. 

A CTO Selena Deckelmann alerta que pessoas podem tomar esses resumos “ao pé da letra”, mesmo quando incorretos. E acrescenta que o valor da Wikipédia está em permitir o mergulho nas fontes

A Grokipédia projeta o caminho inverso: delega à IA (com curadoria da xAI) a tarefa de sintetizar o mundo num corpus enciclopédico. Para defensores, é uma “melhora massiva” sobre um modelo “capturado” por vieses. Para críticos, concentra poder editorial em quem programa o algoritmo. 

Como resume o pesquisador Ryan McGrady, “o impulso de controlar o conhecimento é tão antigo quanto o próprio conhecimento”. E a disputa atual é, no fundo, por quem exercerá esse controle na infraestrutura digital.

(Essa matéria usou informações do New York Times.)

Pedro Spadoni
Redator(a)

Pedro Spadoni é jornalista formado pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Já escreveu para sites, revistas e até um jornal. No Olhar Digital, escreve sobre (quase) tudo.

Bruno Capozzi é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, tendo como foco a pesquisa de redes sociais e tecnologia.