Astrônomos australianos criaram o maior e mais detalhado mapa da Via Láctea já feito com ondas de rádio (tipo de luz invisível aos olhos humanos). O novo retrato mostra a galáxia em cores que não existem na natureza. Isso revelou fenômenos cósmicos que não aparecem em imagens comuns.
A pesquisa, publicada na revista Publications of the Astronomical Society of Australia (PASA) na terça-feira (28), combinou dados de dois grandes levantamentos e reúne 98 mil fontes de emissão, entre estrelas, nebulosas e restos de supernovas.
O resultado é um panorama inédito da estrutura da galáxia e do ciclo de vida das estrelas – do nascimento à explosão final.
Imagem feita por astrônomos traz novo olhar sobre a Via Láctea
O mapa foi produzido a partir de observações do telescópio Murchison Widefield Array (MWA), localizado no deserto da Austrália Ocidental. Ele combina dados de dois levantamentos – GLEAM e GLEAM-X – feitos ao longo de várias noites entre 2013 e 2020.
O resultado cobre uma área de cerca de 3,8 mil graus quadrados do céu, o dobro do levantamento anterior, com duas vezes mais resolução e dez vezes mais sensibilidade.
As cores invisíveis do rádio
Ondas de rádio são um tipo de luz, só que muito mais fria e comprida do que a luz visível. Nossos olhos não conseguem enxergá-las, mas telescópios especializados captam esse tipo de radiação e a transformam em imagens.

No novo mapa da Via Láctea, cada faixa de frequência foi associada a uma cor diferente. Assim, os pesquisadores criaram uma espécie de “arco-íris” em rádio, que revela regiões da galáxia antes invisíveis.
A responsável pela imagem é Silvia Mantovanini, doutoranda da Curtin University e do ICRAR. Ela passou 18 meses processando dados com a ajuda de um supercomputador, segundo o International Centre for Radio Astronomy Research (ICRAR).
O resultado é uma vista bem vívida da galáxia, com contraste suficiente para distinguir áreas de intensa atividade estelar e regiões dominadas por gases e campos magnéticos.
Cada cor conta uma parte da história da Via Láctea. As faixas mais baixas mostram o rastro de partículas aceleradas por explosões estelares, enquanto as mais altas revelam nuvens de gás aquecido por estrelas recém-nascidas.
Juntas, elas compõem um retrato completo do ciclo de vida das estrelas – do nascimento em berçários cósmicos à morte em supernovas que espalham elementos pesados pelo espaço.
Supernovas, pulsares e berçários
A nova imagem permite distinguir com clareza as marcas deixadas por estrelas mortas e as regiões onde novas estão nascendo.
- Os grandes círculos avermelhados indicam remanescentes de supernovas, nuvens de gás e poeira que se expandem após explosões estelares;
- As manchas azuladas mostram regiões H II, áreas aquecidas por estrelas jovens que emitem radiação intensa.
Essas estruturas revelam como a galáxia recicla sua própria matéria: o material expelido pelas estrelas antigas alimenta a formação das próximas gerações.
Além disso, os cientistas encontraram um excesso de fontes com espectro íngreme, um tipo de assinatura de rádio que costuma denunciar a presença de pulsares — núcleos ultradensos de estrelas mortas que giram rapidamente e emitem feixes regulares de energia.
Muitos deles podem ter passado despercebidos em levantamentos anteriores, ofuscados por nuvens de gás. Agora, com a nova sensibilidade do mapa, esses objetos começam a aparecer. Isso ajuda a entender melhor o campo magnético e a estrutura interna da Via Láctea.
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A nova fronteira da astronomia
Para alcançar esse nível de detalhe, os pesquisadores aplicaram técnicas sofisticadas de processamento de dados. O sistema corrigiu distorções causadas pela atmosfera e reduziu interferências de rádio vindas da Terra.

Com isso, o ruído da imagem caiu a níveis até oito vezes menores que os das versões anteriores, tornando possível enxergar estruturas muito fracas. Entre eles, os restos difusos de supernovas antigas e regiões de gás que antes passavam despercebidas.
A precisão alcançada faz do levantamento GLEAM-X uma referência para a próxima geração de estudos sobre a Via Láctea. O mapa servirá para investigar campos magnéticos, raios cósmicos e nebulosas planetárias com mais clareza.
Além disso, ele deve permanecer insuperável por pelo menos uma década, até que o SKA-Low, o maior radiotelescópio do mundo, entre em operação na Austrália.
Quando isso acontecer, será possível ver ainda mais fundo nas entranhas da galáxia. E, talvez, descobrir o que ainda está oculto nas ondas de rádio do Universo (você pode mergulhar na nova imagem da Via Láctea clicando aqui).