Astrônomos criam o mapa mais detalhado da Via Láctea já feito

Imagem inédita combina dados de dois levantamentos e revela em detalhes o nascimento e a morte de estrelas na nossa galáxia
Pedro Spadoni29/10/2025 15h27
Ilustração de imagem mais nítida da Via Láctea já feita
(Imagem: Pedro Spadoni via ChatGPT/Olhar Digital)
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Astrônomos australianos criaram o maior e mais detalhado mapa da Via Láctea já feito com ondas de rádio (tipo de luz invisível aos olhos humanos). O novo retrato mostra a galáxia em cores que não existem na natureza. Isso revelou fenômenos cósmicos que não aparecem em imagens comuns.

A pesquisa, publicada na revista Publications of the Astronomical Society of Australia (PASA) na terça-feira (28), combinou dados de dois grandes levantamentos e reúne 98 mil fontes de emissão, entre estrelas, nebulosas e restos de supernovas. 

O resultado é um panorama inédito da estrutura da galáxia e do ciclo de vida das estrelas – do nascimento à explosão final.

Imagem feita por astrônomos traz novo olhar sobre a Via Láctea

O mapa foi produzido a partir de observações do telescópio Murchison Widefield Array (MWA), localizado no deserto da Austrália Ocidental. Ele combina dados de dois levantamentos – GLEAM e GLEAM-X – feitos ao longo de várias noites entre 2013 e 2020. 

O resultado cobre uma área de cerca de 3,8 mil graus quadrados do céu, o dobro do levantamento anterior, com duas vezes mais resolução e dez vezes mais sensibilidade

As cores invisíveis do rádio

Ondas de rádio são um tipo de luz, só que muito mais fria e comprida do que a luz visível. Nossos olhos não conseguem enxergá-las, mas telescópios especializados captam esse tipo de radiação e a transformam em imagens. 

Montagem com as duas imagens mais nítidas já feitas da Via Láctea
Pesquisadores criaram uma espécie de “arco-íris” em ondas de rádio na nova imagem da Via Láctea (Imagem: Axel Mellinger/milkywaysky.com)

No novo mapa da Via Láctea, cada faixa de frequência foi associada a uma cor diferente. Assim, os pesquisadores criaram uma espécie de “arco-íris” em rádio, que revela regiões da galáxia antes invisíveis.

A responsável pela imagem é Silvia Mantovanini, doutoranda da Curtin University e do ICRAR. Ela passou 18 meses processando dados com a ajuda de um supercomputador, segundo o International Centre for Radio Astronomy Research (ICRAR). 

O resultado é uma vista bem vívida da galáxia, com contraste suficiente para distinguir áreas de intensa atividade estelar e regiões dominadas por gases e campos magnéticos.

Cada cor conta uma parte da história da Via Láctea. As faixas mais baixas mostram o rastro de partículas aceleradas por explosões estelares, enquanto as mais altas revelam nuvens de gás aquecido por estrelas recém-nascidas. 

Juntas, elas compõem um retrato completo do ciclo de vida das estrelas – do nascimento em berçários cósmicos à morte em supernovas que espalham elementos pesados pelo espaço.

Supernovas, pulsares e berçários

A nova imagem permite distinguir com clareza as marcas deixadas por estrelas mortas e as regiões onde novas estão nascendo

  • Os grandes círculos avermelhados indicam remanescentes de supernovas, nuvens de gás e poeira que se expandem após explosões estelares;
  • As manchas azuladas mostram regiões H II, áreas aquecidas por estrelas jovens que emitem radiação intensa. 

Essas estruturas revelam como a galáxia recicla sua própria matéria: o material expelido pelas estrelas antigas alimenta a formação das próximas gerações.

Além disso, os cientistas encontraram um excesso de fontes com espectro íngreme, um tipo de assinatura de rádio que costuma denunciar a presença de pulsares — núcleos ultradensos de estrelas mortas que giram rapidamente e emitem feixes regulares de energia. 

Muitos deles podem ter passado despercebidos em levantamentos anteriores, ofuscados por nuvens de gás. Agora, com a nova sensibilidade do mapa, esses objetos começam a aparecer. Isso ajuda a entender melhor o campo magnético e a estrutura interna da Via Láctea.

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A nova fronteira da astronomia

Para alcançar esse nível de detalhe, os pesquisadores aplicaram técnicas sofisticadas de processamento de dados. O sistema corrigiu distorções causadas pela atmosfera e reduziu interferências de rádio vindas da Terra. 

Precisão alcançada faz do levantamento GLEAM-X uma referência para a próxima geração de estudos sobre a Via Láctea (Imagem: ALMA)

Com isso, o ruído da imagem caiu a níveis até oito vezes menores que os das versões anteriores, tornando possível enxergar estruturas muito fracas. Entre eles, os restos difusos de supernovas antigas e regiões de gás que antes passavam despercebidas.

A precisão alcançada faz do levantamento GLEAM-X uma referência para a próxima geração de estudos sobre a Via Láctea. O mapa servirá para investigar campos magnéticos, raios cósmicos e nebulosas planetárias com mais clareza. 

Além disso, ele deve permanecer insuperável por pelo menos uma década, até que o SKA-Low, o maior radiotelescópio do mundo, entre em operação na Austrália. 

Quando isso acontecer, será possível ver ainda mais fundo nas entranhas da galáxia. E, talvez, descobrir o que ainda está oculto nas ondas de rádio do Universo (você pode mergulhar na nova imagem da Via Láctea clicando aqui).

Pedro Spadoni
Redator(a)

Pedro Spadoni é jornalista formado pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Já escreveu para sites, revistas e até um jornal. No Olhar Digital, escreve sobre (quase) tudo.