Em uma expedição para localizar o navio Endurance, de Ernest Shackleton, cientistas acabaram fazendo uma descoberta inesperada: mais de mil cavidades organizadas no leito marinho da Antártida. A equipe acreditava estar prestes a encontrar o lendário navio perdido, mas, ao enviar um veículo subaquático remoto em 2019, identificou um padrão curioso no solo oceânico — pequenas depressões limpas e circulares, em contraste com o tapete verde de fitoplâncton ao redor.
Essas marcas foram localizadas na região do mar de Weddell, uma área de difícil acesso que só pôde ser explorada depois que o iceberg A68, de 5,8 mil quilômetros quadrados, se desprendeu da plataforma de gelo Larsen C em 2017. A separação desse gigantesco bloco de gelo abriu caminho para investigações sem precedentes sob as camadas congeladas.
Descoberta subaquática inusitada
No início, a equipe ficou intrigada com o que via. “Ficamos realmente perplexos”, contou Russ Connelly, da Universidade de Essex, ao site IFLScience. “As depressões eram tão nítidas e regulares que se destacavam totalmente do fundo coberto de fitoplâncton.”

Após análises mais detalhadas, os cientistas concluíram que não se tratava de formações aleatórias. As covas estavam organizadas em padrões geométricos, o que levantou a hipótese de comportamento animal. Logo ficou claro que eram ninhos de peixes-do-gelo, conhecidos como bacalhau-amarelo (Lindbergichthys nudifrons), uma espécie de bacalhau antártico.
Segundo Connelly, a disposição dos ninhos segue uma espécie de “teoria do rebanho egoísta”: os ninhos centrais ficam mais protegidos de predadores, enquanto os periféricos pertencem aos peixes maiores e mais fortes, capazes de se defender melhor. “Chegamos a considerar que fossem marcas de forrageamento”, explicou o pesquisador, “mas o formato uniforme e a presença dos peixes próximos mostraram que eram ninhos mantidos ativamente.”
O estudo sobre os ninhos dos peixes-do-gelo foi publicado na revista científica Frontiers in Marine Science.

Impacto na pesquisa e na conservação
A descoberta reforça a importância ecológica do mar de Weddell, que cientistas e ambientalistas tentam transformar em uma área marinha protegida. O local abriga uma biodiversidade significativa, mesmo sob temperaturas extremas.
“A mudança climática está alterando rapidamente o mar de Weddell”, afirma a Antarctic and Southern Ocean Coalition. “O aumento dos ventos e das temperaturas está afetando o gelo marinho e pressionando ecossistemas frágeis a se adaptarem. Ainda assim, essa região não é totalmente protegida.”
Em 2018, a Alemanha propôs oficialmente a criação de uma área de proteção marinha (MPA) de mais de 2 milhões de quilômetros quadrados, abrangendo habitats polares raros e vulneráveis.
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A busca pelo Endurance
Enquanto os cientistas observavam os ninhos dos peixes-do-gelo, a expedição principal seguia em busca do Endurance, naufragado em 1915 durante a famosa expedição de Shackleton. O navio foi finalmente localizado em excelente estado de preservação, a cerca de 3 mil metros de profundidade, um século após o desaparecimento do explorador.
Imagens divulgadas mostraram o casco do navio ainda intacto, coberto por anêmonas, estrelas-do-mar e crinóides, agora parte do ecossistema local.