Cometa interestelar 3I/ATLAS pode ter amostra coletada em feito histórico

Pela primeira vez, uma sonda espacial passará pela cauda de um cometa interestelar, com chance de coletar material vindo de outro sistema
Flavia Correia30/10/2025 07h45, atualizada em 30/10/2025 10h44
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Sonda Europa Clipper, lançada pela NASA para investigar lua de Júpiter, vai cruzar o caminho com o cometa interestelar 3I/ATLAS nos próximos dias. Crédito: Imagem gerada por IA/Gemini
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Um momento inédito para a astronomia pode estar prestes a acontecer. A partir desta semana, a sonda Europa Clipper, da NASA, poderá cruzar a cauda do cometa 3I/ATLAS, um visitante vindo de fora do Sistema Solar. Se a previsão se confirmar, será a primeira vez que uma espaçonave atravessa a região de partículas de um objeto interestelar, o que pode permitir a detecção direta de material originado em outro sistema estelar – sem qualquer desvio de rota.

A previsão foi feita pelos cientistas Samuel Grant, do Instituto Meteorológico Finlandês, e Geraint Jones, da Agência Espacial Europeia (ESA). Segundo o estudo, disponível no repositório científico arXiv e ainda em fase de revisão, desta quinta-feira (30) até 6 de novembro, a trajetória da Europa Clipper pode se alinhar com o Sol e com a cauda iônica do 3I/ATLAS. Essa coincidência cósmica pode transformar uma simples etapa da missão em um experimento científico sem precedentes.

Uma imagem profunda do cometa interestelar 3I/ATLAS capturada pelo Espectrógrafo Multiobjeto Gemini (GMOS) no Telescópio Gemini Sul. Crédito: Observatório Internacional Gemini/NOIRLab/NSF/AURA. Processamento de imagens Shadow the Scientist: J. Miller e M. Rodriguez (Observatório Internacional Gemini/NSF NOIRLab), TA Rector (Universidade do Alasca Anchorage/NSF NOIRLab), M. Zamani (NSF NOIRLab)

Amostra de objeto interestelar pode ser coletada pela primeira vez na história

Usando o software Tailcatcher, Grant e Jones simularam o movimento do vento solar – um fluxo de partículas emitidas pelo Sol – e descobriram que ele pode arrastar íons da cauda do cometa até o caminho da espaçonave. Isso faria com que a sonda, sem qualquer manobra, “coletasse” amostras de partículas interestelares pela primeira vez na história.

“Praticamente não temos dados sobre o interior de cometas vindos de fora do Sistema Solar”, disse Grant ao site Space.com. “Amostrar a cauda dessa forma é o mais próximo que podemos chegar hoje de estudar material de outro sistema estelar.”

Até hoje, apenas dois objetos interestelares confirmados (o 1I/‘Oumuamua, em 2017, e o 2I/Borisov, em 2019) passaram pelo Sistema Solar. Nenhuma sonda conseguiu cruzar o caminho deles. A Europa Clipper, portanto, pode estrear um novo tipo de contato direto com matéria vinda de outra estrela, algo jamais realizado antes.

Cometas são blocos de gelo, rochas e poeira que liberam gases quando se aproximam do Sol. Esse processo forma duas caudas: uma de poeira, que segue a trajetória do cometa, e outra de gases ionizados (energizados), empurrada pelo vento solar e voltada na direção oposta à estrela. É essa cauda iônica que pode cruzar o caminho da sonda.

Grant compara os cometas a “cápsulas do tempo”, pois conservam materiais formados há bilhões de anos. Ao analisar os íons liberados, os cientistas podem entender melhor como os sistemas planetários – inclusive o nosso – começaram a se formar.

Conceito artístico da espaçonave Europa Clipper, da NASA, em órbita ao redor de Júpiter. Crédito: NASA / JPL-Caltech

Sucesso da missão depende das condições do vento solar

O software Tailcatcher rastreia o vento solar e identifica quando ele atinge cometas ativos. Quando isso ocorre, parte das partículas do cometa é arrastada por milhões de quilômetros formando a cauda iônica. Grant e Jones perceberam que algumas dessas correntes podem atingir a Europa Clipper justamente durante o alinhamento previsto.

Para saber se as partículas vêm realmente do 3I/ATLAS, os cientistas vão analisar a composição química dos íons. Os que vêm de cometas contêm elementos mais pesados, como moléculas de água e dióxido de carbono, enquanto o vento solar é formado principalmente por hidrogênio e hélio.

O sucesso da observação depende totalmente das condições do vento solar. Ele precisa soprar na direção e intensidade certas para carregar as partículas até a nave. O 3I/ATLAS atingiu nesta quarta-feira (29) o periélio (ponto mais próximo do Sol), a cerca de 200 milhões de quilômetros, momento em que sua atividade possivelmente aumentou e a cauda iônica se estendeu, ampliando as chances de detecção.

Já a Europa Clipper está a mais de 300 milhões de quilômetros do Sol, após sobrevoar Marte no início do ano. Mesmo assim, o alinhamento geométrico entre o Sol, o cometa e a sonda pode favorecer o encontro com os íons transportados.

Animação simula trajetória do cometa interestelar 3I/ATLAS pelo Sistema Solar. Crédito: TheSkyLive.com

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Coincidências cósmicas e novas oportunidades

Outra missão, a sonda europeia Hera, também pode cruzar ventos solares contendo partículas do 3I/ATLAS até sábado (1º), mas não possui instrumentos adequados para medi-las. A Europa Clipper, no entanto, foi projetada para estudar o ambiente de radiação de Júpiter e sua lua Europa, com sensores capazes de detectar partículas carregadas e campos magnéticos – exatamente o tipo de dado necessário.

Mesmo que a detecção não ocorra desta vez, os cientistas permanecem otimistas. O software Tailcatcher, usado nas simulações, já se mostrou confiável: em 2020, ele acertou a previsão de que a sonda Solar Orbiter cruzaria a cauda do cometa C/2019 Y4 – algo depois confirmado por observações reais. Esse histórico reforça a confiança de que o modelo pode estar certo novamente no caso do 3I/ATLAS.

Segundo Grant e Jones, cruzamentos acidentais como este podem abrir um novo capítulo na exploração de objetos interestelares. A ESA, inclusive, prepara a missão Comet Interceptor, que será lançada em 2029 para aguardar o surgimento de um novo cometa – de preferência, vindo de outro sistema.

Se tudo correr conforme o previsto, a Europa Clipper poderá fazer história como a primeira sonda a detectar partículas vindas de um cometa interestelar, abrindo uma janela inédita para investigar os blocos fundamentais que formam planetas, estrelas e, possivelmente, a própria vida no Universo.

Flavia Correia
Redator(a)

Jornalista formada pela Unitau (Taubaté-SP), com Especialização em Gramática. Já foi assessora parlamentar, agente de licitações e freelancer da revista Veja e do antigo site OiLondres, na Inglaterra.