Sete anos após o escândalo dos primeiros bebês com genes editados, uma nova startup quer retomar a polêmica. A Manhattan Genomics, sediada em Nova York, pretende usar técnicas de edição genética em embriões humanos para eliminar doenças hereditárias e “aliviar o sofrimento humano”, segundo a Wired.
No entanto, a proposta reacende discussões éticas e científicas que abalaram a comunidade global em 2018, quando o cientista chinês He Jiankui criou os primeiros bebês geneticamente modificados, fato que lhe rendeu uma pena de três anos de prisão por “práticas médicas ilegais”.

Um novo começo para a edição genética?
Fundada por Cathy Tie, CEO da Ranomics, e Eriona Hysolli, ex-diretora de ciências biológicas da Colossal Biosciences, a Manhattan Genomics quer corrigir mutações em embriões ainda na fase inicial do desenvolvimento.
Para isso, a empresa reuniu um grupo de especialistas que inclui o médico de fertilização in vitro Norbert Gleicher, o cientista de dados Stephen Turner, além de biólogos reprodutivos do Centro Nacional de Pesquisa com Primatas da Universidade de Ciências e Saúde do Oregon (OHSU).
Tie explica que o maior desafio da empresa é tornar a ideia da edição genética de embriões humanos mais aceitável na sociedade. Isso porque, ao remover uma mutação causadora de doença, ela seria eliminada também das gerações futuras. Mas a tecnologia traz riscos: editar o gene errado pode causar câncer ou outros problemas de saúde que também seriam transmitidos aos descendentes.
Estamos em um estágio muito inicial, e será necessário um grande trabalho junto à FDA para chegar a uma aplicação clínica prática.
Norbert Gleicher, médico especialista em fertilização in vitro, à Wired.
Mesmo assim, ele é otimista e acredita que “em casos cuidadosamente selecionados, será possível realizar em um prazo razoável”.

Foco em doenças genéticas específicas
A Manhattan Genomics não revelou quais genes pretende modificar primeiro, mas Tie afirmou que o foco será em mutações relacionadas a doenças monogênicas, condições causadas por defeitos em um único gene.
Segundo Turner, seu envolvimento na startup só ocorreu após garantir que o trabalho será conduzido de forma transparente e sob supervisão independente. “A edição de embriões levanta sérias questões éticas e científicas”, afirma. “Quero ver esse trabalho sendo feito de maneira responsável, voltado à prevenção de doenças graves.”
Entre os possíveis alvos da pesquisa da Manhattan Genomics estão:
- Doença de Huntington;
- Fibrose cística;
- Anemia falciforme;
- Outras mutações monogênicas com alta correlação a doenças.
Preocupações éticas podem impactar o projeto
Nem todos, porém, acreditam que o caminho escolhido pela empresa seja o mais adequado. Para especialistas, a maioria dos casos de doenças hereditárias pode ser tratada com triagem embrionária, sem necessidade de edição genética.
Leia mais:
- Vício em maconha pode ter motivação genética, diz pesquisa
- Olhos azuis não são realmente azuis — cientificamente falando
- Vírus da Covid-19 pode causar mudanças genéticas que passam de pais para filhos
“Existem casos muito raros em que não é possível obter embriões saudáveis, como quando ambos os pais têm fibrose cística. Nesses casos, é possível utilizar espermatozoides e óvulos doados”, explica Kiran Musunuru, cardiologista e professor da Universidade da Pensilvânia.
Por que tanto dinheiro está sendo investido nisso? Porque, no fim das contas, quem tem recursos quer ‘melhorar’ seus bebês.
Fyodor Urnov, professor de terapêutica molecular na UC Berkeley e diretor científico do Instituto de Genômica Inovadora, à Wired.

O futuro da edição genética é inevitável?
Mesmo diante das críticas, Tie afirma que não pretende desistir. Segundo ela, mais de 150 cientistas se candidataram para trabalhar na Manhattan Genomics apenas nas primeiras 24 horas após o anúncio das vagas.
A discussão sobre a edição genética de embriões humanos volta, assim, ao centro do debate científico, prometendo reacender dilemas éticos sobre até onde a biotecnologia pode ir para moldar o futuro da humanidade. E, como a própria Tie afirma, a tecnologia precisa ser “avaliada seriamente pelos reguladores.”