Rinoceronte gelado: espécie usou ‘ponte’ no Atlântico para migrar há milhões de anos

Artigo traz evidências de que as novas espécies do Ártico migraram para a América do Norte milhões de anos depois do que se imaginava
Por Bruna Barone, editado por Bruno Capozzi 04/11/2025 05h10
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O Epiatheracerium itjilik era relativamente pequeno e esguio, e não possuia chifre (Imagem: Museu Canadense da Natureza)
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Os rinocerontes têm uma história evolutiva que abrange mais de 40 milhões de anos. E agora a comunidade científica pode conhecer detalhes da espécie extinta do Alto Ártico canadense, descoberta por cientistas do Museu Canadense da Natureza. O artigo publicado na revista Nature Ecology and Evolution também fornece evidências de que as novas espécies do Ártico migraram para a América do Norte através de uma ponte terrestre milhões de anos depois do que pesquisas anteriores sugeriam.

A nova espécie foi denominada Epiatheracerium itjilik: “itjilik”, significa “gelado” ou “geada” em inuktitut, língua oficial de povos do Ártico. O esqueleto fossilizado quase completo (75%) foi recuperado de depósitos ricos em fósseis da Cratera Haughton, na Ilha Devon, Nunavut, e trata-se da espécie de rinoceronte mais setentrional conhecida. 

“Hoje existem apenas cinco espécies de rinocerontes na África e na Ásia, mas no passado eles eram encontrados na Europa e na América do Norte, com mais de 50 espécies conhecidas a partir do registro fóssil”, diz a autora principal do estudo, Dra. Danielle Fraser. “A adição desta espécie ártica à árvore genealógica dos rinocerontes agora oferece novas perspectivas para a nossa compreensão de sua história evolutiva.”  

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A nova espécie foi posicionada na árvore genealógica com 57 táxons, quase todos extintos (Imagem: Museu Canadense da Natureza)

A descoberta

O Epiatheracerium itjilik era relativamente pequeno e esguio, de tamanho semelhante ao do rinoceronte indiano moderno, mas sem chifre. Acredita-se que o espécime do Ártico esteja no início ou meados da fase adulta, com base no desgaste moderado dos dentes molares.  

A maior parte dos ossos do rinoceronte foi coletada em 1986 pela Dra. Mary Dawson, pioneira na paleontologia do Ártico. Ela encontrou dentes superiores e inferiores, as mandíbulas e partes do crânio. Restos adicionais foram descobertos em expedições posteriores lideradas pelo Museu Canadense da Natureza.

Com 23 km de diâmetro, a Cratera Haughton é o sítio fossilífero do Mioceno (de aproximadamente 23 a 5,6 milhões de anos atrás) mais setentrional conhecido. Essa foi uma época em que muitas famílias de mamíferos modernos se diversificaram e se dispersaram entre os continentes.

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A maior parte dos ossos do rinoceronte foi coletada em 1986, incluindo dentes superiores e inferiores (Imagem: Museu Canadense da Natureza)

A cratera de impacto encheu-se de água, criando um lago que preservou os restos de plantas e animais locais, explicam os autores. O local foi amplamente estudado por suas características geológicas, bem como por sua flora e fauna. Evidências de plantas fósseis mostram que o habitat era uma floresta temperada, em contraste com as condições áridas e frias do permafrost atual.  

Os ossos foram encontrados numa área de aproximadamente 5 a 7 metros quadrados. O congelamento e descongelamento do permafrost resultou na fragmentação de fósseis e na exposição de ossos à superfície, em um processo chamado crioturbação.  

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A equipe conseguiu localizar geograficamente cada rinoceronte em uma das cinco regiões continentais utilizando uma abordagem de modelagem matemática para determinar as taxas de dispersão entre os diferentes continentes dentro da família Rhinocerotidae.

Estudos anteriores sugeriram que a Ponte Terrestre do Atlântico Norte (via Groenlândia) pode ter funcionado como um corredor até cerca de 56 milhões de anos atrás. Mas a nova análise com Epiceratherium itjilik e espécies relacionadas sugere que as dispersões da Europa para a América do Norte ocorreram muito mais recentemente, potencialmente já no Mioceno.

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Com 23 km de diâmetro, a Cratera Haughton é o sítio fossilífero do Mioceno (Imagem: Museu Canadense da Natureza)

“É sempre emocionante e informativo descrever uma nova espécie. Mas a identificação de Epiaceratherium itjilik traz ainda mais benefícios, pois nossas reconstruções da evolução dos rinocerontes mostram que o Atlântico Norte desempenhou um papel muito mais importante nessa evolução do que se pensava anteriormente”, afirma Fraser. “Este estudo reforça a ideia de que o Ártico continua a oferecer novos conhecimentos e descobertas que ampliam nossa compreensão da diversificação dos mamíferos ao longo do tempo.”  

Em julho, um artigo publicado na revista Nature relatou a extração de proteínas parciais cientificamente relevantes do esmalte dentário do Epiatheracerium itjilik. A descoberta abre novos caminhos para o estudo de proteínas ancestrais e sua aplicação na compreensão da evolução dos mamíferos.

Bruna Barone
Colaboração para o Olhar Digital

Bruna Barone é formada em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Atuou como editora, repórter e apresentadora na Rádio BandNews FM por 10 anos. Atualmente, é colaboradora no Olhar Digital.

Bruno Capozzi é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e mestre em Ciências Sociais pela PUC-SP, tendo como foco a pesquisa de redes sociais e tecnologia.