Rochas revelam segredo do magnetismo da Terra guardado por meio bilhão de anos

Rochas antigas do Marrocos, formadas há 560 milhões de anos, revolucionam o que se sabia sobre o comportamento do campo magnético da Terra
Flavia Correia05/11/2025 15h50
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David Evans em trabalho de campo no Marrocos. Crédito: Universidade de Yale
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Rochas vulcânicas formadas há cerca de 560 milhões de anos, no sul do Marrocos, revelam que o campo magnético da Terra não era tão instável quanto se acreditava. Em vez de variações aleatórias, ele seguia ciclos de enfraquecimento e reorganização, impulsionados por transformações no interior do planeta.

Por décadas, acreditou-se que as inversões dos polos magnéticos ocorressem de forma irregular e desordenada. Mas os minerais preservados nessas rochas – como magnetita e hematita – mostram que o magnetismo terrestre tinha um ritmo padrão, indicando uma dinâmica interna muito mais complexa do que se imaginava.

Em poucas palavras:

  • Estudo descobre que campo magnético da Terra apresentava um padrão rítmico, e não aleatório;
  • Rochas do Marrocos guardaram o registro dessas mudanças;
  • Os polos magnéticos mudavam de direção em intervalos de milhares, e não milhões, de anos;
  • O comportamento pode estar ligado à formação do núcleo sólido da Terra;
  • A descoberta ajuda a compreender a evolução magnética e tectônica do planeta.
O primeiro autor, James Pierce, sentado sobre as rochas com camadas bem definidas, que ajudaram a equipe a entender como as mudanças ocorreram. Crédito da imagem: Universidade de Yale

Rochas contam a história do magnetismo terrestre

Conduzido por cientistas da Universidade de Yale, nos EUA, e publicado na revista Science Advances, o estudo analisou minuciosamente a orientação magnética registrada em camadas de rochas do período Ediacarano, entre 630 e 541 milhões de anos atrás. 

Essa era geológica antecede a explosão de vida complexa no planeta e sempre intrigou os geólogos pela instabilidade do campo magnético. Em certos momentos, ele era até dez vezes mais fraco do que o atual – o que levantava dúvidas sobre como a Terra conseguiu manter sua atmosfera e o escudo protetor contra partículas solares.

As medições revelaram que as rápidas mudanças registradas nessas rochas ocorreram em um intervalo restrito, entre 568 e 562 milhões de anos atrás. 

Até então, acreditava-se que as inversões de polos e as variações magnéticas levavam milhões de anos para acontecer. O novo mapeamento mostrou que esses eventos ocorreram muito mais rápido – em questão de milhares de anos. 

Essa descoberta eliminou a hipótese de que continentes se moviam a velocidades extremas na época, indicando que as mudanças partiam do próprio interior do planeta.

Algumas das amostras de rocha utilizadas no estudo. Crédito da imagem: Universidade de Yale

Segundo o professor David Evans, líder da pesquisa, o segredo estava na forma como os dados eram interpretados. “Estudos anteriores presumiam que o campo magnético do passado se comportava como o atual. Mas quando analisamos as rochas camada por camada, percebemos que havia uma estrutura temporal ali dentro”, explicou em um comunicado. O uso de alta resolução estratigráfica e novas técnicas estatísticas permitiu detectar variações sutis que passavam despercebidas em análises tradicionais.

Os resultados apontam que, durante o Ediacarano, os polos magnéticos mudavam de direção repetidas vezes em intervalos muito curtos, antes de voltarem à posição original. Esse comportamento sugere que, durante aquele período, o campo magnético não se movia de forma estável ao redor do eixo terrestre, mas oscilava rapidamente, como se estivesse em busca de um equilíbrio.

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Descoberta redefine o entendimento sobre a evolução da Terra

A identificação desse padrão é um marco para a geofísica. Ela sugere que o núcleo externo da Terra – formado por ferro e níquel líquidos – estava passando por uma reorganização profunda. Essa transformação pode ter ocorrido quando o núcleo interno sólido começou a se formar, liberando calor e energia suficientes para alterar o comportamento do campo magnético. O resultado foi uma alternância entre períodos de fraqueza e força, até que o sistema se estabilizou.

Pesquisadores conseguiram modelar como os continentes poderiam ter sido durante o período Ediacarano. Crédito: Pierce et al.

Esse processo teria sido decisivo para o desenvolvimento do campo magnético moderno e, possivelmente, para a própria estabilidade da vida na Terra. Um campo mais forte e constante protegeu melhor o planeta da radiação solar, ajudando a preservar a atmosfera e as condições que permitiram o surgimento de organismos complexos.

Os pesquisadores acreditam que padrões semelhantes podem ter ocorrido em outras eras, como no Devoniano e no Jurássico Superior, em intervalos de cerca de 200 milhões de anos. As evidências apontam para a possibilidade de que o campo magnético da Terra siga um ciclo de longo prazo, em vez de um comportamento completamente aleatório.

Evans diz que compreender essas oscilações é essencial para reconstruir a história do planeta. “Se confirmarmos que esse padrão se repete, poderemos criar um modelo contínuo da tectônica de placas e do campo magnético que cubra bilhões de anos”. Essa visão unificada permitiria preencher lacunas entre os registros mais antigos e os períodos recentes, oferecendo um retrato mais completo da evolução terrestre.

A descoberta mostra que o magnetismo da Terra segue regras próprias – e que compreender essas regras é fundamental para entender o passado, o presente e o futuro do nosso planeta.

Flavia Correia
Redator(a)

Jornalista formada pela Unitau (Taubaté-SP), com Especialização em Gramática. Já foi assessora parlamentar, agente de licitações e freelancer da revista Veja e do antigo site OiLondres, na Inglaterra.