As formigas cortadeiras, conhecidas como saúvas, seguem um elaborado sistema de divisão de tarefas e coleta de alimento para sustentar uma colônia que pode chegar a milhões de indivíduos.
À noite, elas saem em busca de folhas que, ao contrário do que muitos imaginam, não servem de alimento direto, mas são levadas ao formigueiro para cultivar o fungo que sustenta todo o grupo.
Porém, uma pesquisa do Instituto de Biociências da USP, publicada no Jornal da USP, demonstrou que alterações no ciclo de luz e escuridão afetam profundamente a organização dessas formigas, gerando um efeito semelhante ao jet lag humano e prejudicando a eficiência da colônia.
O trabalho mostrou que a dessincronização do ritmo biológico faz com que as formigas gastem mais energia e desperdicem recursos, destacando o papel crucial da cronobiologia na compreensão do comportamento desses insetos sociais.
Colônias de formigas funcionam como “superorganismos”
Segundo os pesquisadores, as formigas saúvas operam como um sistema altamente integrado, com normas sociais claras, divisão de funções e coordenação contínua.
A rainha funciona como órgão reprodutor – depositando ovos durante toda a vida – enquanto outros indivíduos assumem tarefas como cuidado com as larvas, limpeza, defesa e coleta de folhas. Esse nível de cooperação as coloca no grupo dos animais eussociais, com alto grau de organização coletiva.

Na natureza, uma colônia pode reunir até 3 milhões de formigas, mas, mesmo em laboratório, o comportamento se mantém estruturado. Cada função tem papel no sincronismo do sistema, que se baseia no ciclo de dia e noite para operar de forma eficiente.
Experimento alterou o relógio interno das formigas
Para entender como o tempo influencia esse sistema, os pesquisadores submeteram uma colônia a ciclos de claro e escuro de seis horas, em vez das habituais 12. O resultado foi uma desorganização no ritmo coletivo: as formigas passaram a coletar menos folhas e a consumir mais, comportamento associado a maior gasto energético.
Os cientistas identificaram que apenas as formigas encarregadas de buscar folhas têm contato direto com a luz solar, sendo responsáveis por “ler” o tempo para a colônia. Quando o ciclo foi alterado, todo o sistema entrou em descompasso.
Entre os principais achados observados no estudo:
- A colônia aumentou o consumo de folhas;
- A coleta diminuiu, reduzindo o fornecimento de fungo;
- A organização social foi temporariamente desregulada;
- O sistema mostrou-se energeticamente insustentável com exposição prolongada;
- Apenas as formigas “enfermeiras” permaneceram sem ritmo diário definido.
Segundo os pesquisadores, esse tipo de perturbação, se mantida, poderia levar a colônia à morte.

Tecnologia ajudou a medir o comportamento das formigas
Para registrar a resposta ao estresse, os biólogos desenvolveram um software capaz de contar automaticamente a movimentação dos insetos no formigueiro artificial. Filmagens foram processadas quadro a quadro para identificar e quantificar os fluxos de entrada e saída.
Embora ainda não seja possível rastrear cada formiga individualmente, o sistema permitiu medir com precisão o impacto do “jet lag” na dinâmica social.
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O estudo reforça a importância dos ritmos biológicos em organismos coletivos e demonstra que, assim como humanos, formigas dependem de sincronização temporal para manter eficiência e economia de energia.