O câncer já superou as doenças cardiovasculares como principal causa de morte em 670 municípios brasileiros, de acordo com levantamento do Observatório de Oncologia apresentado no Fórum Big Data em Oncologia e divulgado pelo G1.
O número representa 12% das cidades do país e indica um aumento de 30% em oito anos. Se a tendência continuar, o câncer pode se tornar, até 2029, a principal causa de morte no Brasil.
O estudo analisou 26 anos de registros do Ministério da Saúde e aponta que as mortes por tumores cresceram 120% desde 1998, ritmo mais que o dobro do aumento observado nas doenças cardiovasculares (51%). O avanço reflete tanto o envelhecimento da população quanto desigualdades regionais no acesso a diagnóstico e tratamento.
Sul do país concentra a virada no cenário do câncer
O levantamento mostra que o Sul é o epicentro do avanço da doença. Dos 670 municípios onde o câncer já lidera as causas de morte, 310 estão concentrados na região, o equivalente a quase metade do total. O Rio Grande do Sul aparece em primeiro lugar, com 168 cidades nessa condição, e 22% das mortes atribuídas a tumores – índice superior à média nacional, de 17%.

Entre os fatores que explicam esse cenário estão a maior expectativa de vida, o melhor registro de diagnósticos e condições ambientais específicas, como o uso de agrotóxicos e a predominância de características genéticas mais suscetíveis a certos tipos de câncer, como o de pele.
O estudo aponta ainda que boa parte das cidades afetadas tem menos de 25 mil habitantes. Isso mostra que o câncer deixou de ser um problema restrito às capitais e vem se tornando cada vez mais comum em municípios menores, onde faltam estrutura de atendimento e acesso a exames preventivos.
Câncer avança no interior e desafia o sistema público
A pesquisa indica que quase metade das cidades com maior número de mortes por câncer está em áreas de pequeno porte, onde o diagnóstico é mais tardio e o início do tratamento costuma demorar. Essa realidade expõe as deficiências do sistema de saúde em regiões distantes dos grandes centros.
Os principais entraves enfrentados nessas localidades incluem:
- Escassez de centros de tratamento oncológico;
- Longas distâncias até hospitais com radioterapia e cirurgia especializada;
- Demora no diagnóstico e na confirmação do tipo de tumor;
- Dificuldade de cumprir a Lei dos 60 dias, que garante início do tratamento em até dois meses após o diagnóstico.

Essas limitações reduzem as chances de cura e ampliam as desigualdades regionais, especialmente entre o Sul e o Sudeste, onde há mais infraestrutura, e o Norte e Nordeste, onde o acesso a serviços de saúde é mais precário.
Envelhecimento e desigualdade intensificam a crise oncológica
Segundo o Observatório de Oncologia, 77% das mortes por câncer no Brasil ocorrem em pessoas com mais de 60 anos, e 56% são entre homens. Os tipos mais letais continuam sendo pulmão, mama e próstata.
O envelhecimento da população é um dos principais fatores que explicam o aumento dos casos, já que o câncer é uma doença associada à degeneração celular com o passar do tempo. Além disso, os homens ainda realizam menos exames preventivos, o que agrava o quadro.
A desigualdade regional também é determinante. No Norte e Nordeste, o câncer de colo do útero (evitável com vacinação e exames preventivos) continua sendo o que mais mata mulheres. A falta de acesso a exames como o Papanicolau e à vacina contra o HPV reforça o impacto das diferenças socioeconômicas no avanço da doença.

Mesmo com leis que estabelecem prazos para o início do tratamento, muitos pacientes enfrentam longas esperas no Sistema Único de Saúde. Quando o tratamento começa, o tumor já está em estágio avançado, o que reduz as chances de cura.
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O estudo conclui que o câncer já representa uma mudança profunda no perfil de mortalidade do Brasil. Com o envelhecimento populacional e a desigualdade no acesso à saúde, o país se aproxima de uma virada epidemiológica que exige novas políticas públicas e investimentos estruturais.