James D. Watson, um dos mais influentes cientistas do século XX e co-descobridor da estrutura do DNA, morreu na quinta-feira (6), em East Northport, Nova York (EUA), aos 97 anos. A morte foi confirmada por seu filho, Duncan, que informou que Watson havia sido transferido recentemente para um hospital e, depois, para um hospício, onde faleceu em decorrência de uma infecção.
Watson entrou para o panteão da ciência aos 25 anos, quando, ao lado de Francis H.C. Crick, revelou a estrutura em dupla hélice do DNA — a molécula que carrega o código genético da vida. A descoberta, publicada em 1953, é considerada um dos maiores marcos científicos da história e rendeu a ambos, juntamente com Maurice H.F. Wilkins, o Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia em 1962.
História de James Watson
- Sua carreira foi marcada por grandes realizações e também por controvérsias;
- Além de seu papel na decodificação do DNA, Watson dirigiu o Cold Spring Harbor Laboratory, em Long Island, a partir de 1968, transformando-o em um dos principais centros mundiais de microbiologia;
- Ele também liderou o início do Projeto Genoma Humano, uma das iniciativas científicas mais ambiciosas do século XX. No entanto, foi afastado do laboratório em 2007, após declarações racistas em entrevista ao jornal britânico The Sunday Times, nas quais sugeriu que pessoas negras seriam menos inteligentes que brancas — comentários que ele repetiria anos depois em um documentário da PBS. A repercussão levou o instituto a retirar seus títulos honorários;
- Apesar da controvérsia, Watson permaneceu uma figura de destaque na biologia. Ele escreveu o célebre livro The Double Helix (A Dupla Hélice), publicado em 1968, um relato pessoal da descoberta do DNA;
- A obra, considerada um clássico da literatura científica, provocou críticas de colegas por dar pouco crédito a outros envolvidos, mas foi reconhecida pela Biblioteca do Congresso como uma das 100 obras literárias mais importantes dos Estados Unidos.

A descoberta do DNA teve como base o trabalho de outros cientistas, incluindo Rosalind Franklin, cujas imagens de difração de raios-X foram essenciais para que Watson e Crick identificassem a estrutura molecular.
A utilização dessas imagens sem o conhecimento de Franklin foi amplamente considerada uma quebra de protocolo científico. Embora Franklin não tenha recebido o Nobel — já que morreu em 1958, aos 37 anos —, é hoje celebrada como uma pioneira injustiçada na história da ciência.
Watson nasceu em 6 de abril de 1928, em Chicago (EUA), filho de um cobrador de dívidas e de uma funcionária da Universidade de Chicago. Ingressou na universidade aos 15 anos e formou-se em zoologia. Inspirado pelo livro What Is Life? (O Que é a Vida?), de Erwin Schrödinger, decidiu dedicar-se à genética e obteve seu doutorado na Universidade de Indiana, sob orientação de Salvador Luria, laureado com o Nobel em 1969.
Em 1951, Watson mudou-se para Cambridge (Inglaterra), onde conheceu Francis Crick no Laboratório Cavendish. Juntos, usando dados obtidos de Franklin e Wilkins, construíram o modelo que revelaria o DNA como uma hélice dupla, formada por duas cadeias complementares compostas por açúcar, fosfato e quatro bases químicas: adenina, timina, citosina e guanina. O emparelhamento específico dessas bases — adenina com timina, citosina com guanina — explicava como o material genético podia ser copiado de geração em geração.
Além de The Double Helix, Watson publicou o influente manual Molecular Biology of the Gene (Biologia Molecular do Gene) e dedicou-se à formação de novas gerações de pesquisadores.
Sua gestão no Cold Spring Harbor incluiu a criação de programas educacionais e conferências, e ele foi um dos idealizadores do Projeto Genoma Humano, iniciado sob sua direção no Instituto Nacional de Saúde dos EUA. Watson insistiu que parte do orçamento fosse dedicada ao estudo das implicações éticas e sociais do sequenciamento genético.
Watson deixou o projeto em 1992, após discordar da política de patenteamento de genes, posição confirmada pela Suprema Corte dos EUA em 2013, que decidiu que produtos naturais não podem ser patenteados.

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Vida
A vida pessoal de Watson foi igualmente singular. Em 1968, casou-se com Elizabeth Lewis, então estudante de 19 anos em Harvard, com quem teve dois filhos, Rufus e Duncan. Rufus sofre de uma grave doença mental, que o cientista chamou de “injustiça genética” e que o motivou a se envolver com o projeto do genoma.
Ao longo da vida, Watson foi conhecido tanto por seu brilhantismo quanto por sua franqueza ofensiva. Fez comentários considerados misóginos, homofóbicos e racistas, e chegou a associar a exposição solar ao desejo sexual, além de dizer que não contrataria pessoas com sobrepeso. Ele mesmo reconhecia o impacto negativo dessas declarações, que mancharam sua reputação.
Em 2014, vendeu sua medalha do Nobel por US$ 4,1 milhões (R$ 21,8 milhões, na conversão direta), afirmando que usaria o dinheiro para sustentar a família e apoiar a ciência. O comprador, o bilionário russo Alisher Usmanov, devolveu-lhe o prêmio.
Watson também foi um dos primeiros seres humanos a ter o genoma completamente sequenciado. Sua figura inspirou filmes e obras culturais, incluindo a produção da BBC, Life Story (1987), estrelada por Jeff Goldblum.
Mesmo após décadas de polêmicas, seu legado científico permanece. “A estrutura do DNA mudou a biologia para sempre”, disse Bruce Stillman, seu sucessor no Cold Spring Harbor Laboratory, ao The New York Times. Segundo ele, a descoberta de Watson e Crick está entre as maiores da história, ao lado da teoria da evolução de Darwin e das leis da herança genética de Mendel.

Watson descrevia-se como um “fugitivo” da fé católica e atribuía parte de seu sucesso à ausência de crença religiosa. “A coisa mais sortuda que me aconteceu foi que meu pai não acreditava em Deus”, disse em entrevista à revista Discover. Em sua declaração de renúncia em 2007, afirmou que sua fé estava na razão e na justiça social, “especialmente na necessidade de os que estão no topo ajudarem os menos favorecidos.”