Remédios também são drogas? Entenda a diferença segundo a medicina

Você já deve ter ouvido falar que remédios são drogas. Mas, você sabe qual a diferença entre eles e aquelas chamadas recreativas? Veja!
Por Camila Oliveira, editado por Layse Ventura 08/11/2025 05h20
foto de diversas cartelas de comprimidos de várias cores juntos
(Imagem: freepik/Freepik)
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Em nosso cotidiano, vemos as palavras “remédio” e “droga” sendo usadas como sinônimos, mas elas carregam significados diferentes. Um remédio costuma remeter à cura, ao alívio de um sintoma ou ao restabelecimento da saúde; já a palavra droga costuma evocar o uso recreativo, a dependência ou os efeitos no sistema nervoso.

Porém, o que acontece quando um remédio é usado fora do contexto terapêutico, para “sentir algo”, “melhorar o humor” ou “aumentar o desempenho”, por exemplo?

Essa ambiguidade ganha ainda mais força quando lembramos que todo medicamento tecnicamente é uma substância química que age no corpo, e que muitas drogas recreativas também têm ou já tiveram uso medicinal. Por isso, vale questionar: “remédios também são drogas? O que distingue um do outro?”

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Na matéria abaixo, vamos explicar qual é a diferença entre remédio e droga, quais os contextos de uso terapêutico e recreativo, como a sociedade divide esses termos, e por que essa distinção importa para a saúde pública, para a legislação e para todos nós.

Comprimidos e cápsulas em cartelas de remédios espalhadas
(Imagem: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Qual a diferença entre remédio e droga?

A palavra “droga” costuma causar desconforto, mas seu significado original é muito mais amplo do que o uso popular faz parecer. Em termos científicos, toda substância que provoca alguma alteração no organismo é considerada uma droga, incluindo desde medicamentos de farmácia até o álcool, a cafeína e entorpecentes ilícitos. A confusão começa quando se tenta diferenciar o que é terapêutico do que é recreativo.

Na prática, o que distingue um remédio de uma droga é a intenção e no controle do uso. Um medicamento é uma droga com finalidade terapêutica, formulada e administrada de forma segura, com doses padronizadas e registro em órgãos de vigilância sanitária, como a Anvisa. Já as drogas recreativas são consumidas com o propósito de provocar prazer, e muitas vezes não passam por controle técnico, aumentando seus riscos.

Essa linha tênue entre tratamento e abuso é um dos desafios da medicina moderna. Afinal, diversos remédios, principalmente os que agem no sistema nervoso central, podem ser usados de maneira incorreta, gerando dependência e efeitos adversos graves.

“Remédio” (ou medicamento) refere-se à substância ou fórmula preparada com o objetivo de prevenir, tratar ou aliviar sintomas de uma doença ou condição de saúde. Parecido com a definição do termo “medicine” no site do Department of Health, Disability and Ageing, Australia: “Medicines help us avoid illness, get better when we’re sick, or manage health conditions” (em português: “Medicamentos nos ajudam em evitar doenças, melhorar quando estamos doentes e gerenciar as condições de saúde”).

Esse produto passa por avaliação de segurança, qualidade e eficácia, e normalmente é regulado por agências de saúde (como a Food and Drug Administration – FDA nos EUA, ou Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa no Brasil) para ser disponibilizado para uso humano.

Diferente de uma “droga” no sentido amplo, o remédio pressupõe um uso orientado por profissional de saúde, com dose, frequência, finalidade terapêutica clara, seja tratamento, alívio ou prevenção.

Além disso, enquanto “droga” pode levar à associação com abuso ou dependência dependendo do uso, “remédio” traz a conotação de cuidado, cura ou manutenção da saúde. A percepção pública faz essa distinção automática, ainda que tecnicamente haja sobreposição.

Pessoa separando medicamentos
Na prática, o que distingue um remédio de uma droga é a intenção e no controle do uso. (Imagem: Peter Porrini/Shutterstock)

Por que a distinção não é tão simples?

A diferença entre remédio e droga se torna tênue quando se considera que muitos remédios são substâncias com o mesmo princípio ativo de drogas usadas de forma recreativa, ou que drogas comumente consideradas recreativas já tiveram ou têm uso medicinal. Por exemplo, o álcool, a nicotina ou mesmo medicamentos controlados podem cair nessa ambiguidade.

Em outro cenário, por exemplo, temos um remédio prescrito para ansiedade ou insônia, que pode ser usado fora de contexto, já que em doses maiores, sem prescrição e misturado com outras substâncias, pode passar a se comportar como uma droga recreativa.

Também há fatores sociais e culturais, já que o estigma associado à “droga” pode fazer com que se ignorem abusos de medicamentos lícitos ou se subestimem seus riscos simplesmente porque são “remédios”.

O documento “O estigma do uso de drogas”, do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) aborda como o uso do termo “droga” muitas vezes ignora que medicamentos lícitos também podem ter efeitos danosos.

Legalmente, cada país diferencia o que é uso terapêutico e o que configura uso ilícito, mas existem brechas, como a automedicação, o compartilhamento de medicamentos, e o uso para fins não prescritos. No Brasil, por exemplo, há alertas da Anvisa sobre medicamentos de disfunção erétil sendo usados de forma recreativa ou estética.

Portanto, dizer “remédios também são drogas” tem sentido técnico, já que são substâncias químicas que alteram o organismo, mas o que realmente importa é como, para que e sob que condições são usados.

pessoa segurando diversas pílulas e copo de agua
Legalmente, cada país diferencia o que é uso terapêutico e o que configura uso ilícito, mas existem brechas, como a automedicação, o compartilhamento de medicamentos, e o uso para fins não prescritos. (Imagem: freepik/Freepik)

Lícito vs ilícito: quando a substância entra no território “droga recreativa”

Outro critério importante para diferenciar é a dimensão legal e regulatória. Remédios aprovados para uso humano são lícitos, regulados e têm finalidade médica. Já muitas drogas recreativas (ou de uso não autorizado) podem ser ilegais ou usar substâncias prescritas fora da indicação.

O “uso lícito” de um remédio envolve prescrição, dosagem adequada, indicação precisa, supervisão. Já o “uso ilícito” ou recreativo pode envolver automedicação, doses elevadas, combinação com outras substâncias, uso fora de contexto ou sem supervisão.

Além disso, a venda ou distribuição desses medicamentos fora das normas constitui infração. A linha entre remédio e substância recreativa muitas vezes é cruzada pelo critério legal, entre o que está autorizado, monitorado e indicado versus o que está fora desses parâmetros. Logo, remédio e droga recreativa podem coincidir no conteúdo químico, mas divergem no modo de uso, finalidade e regulação.

Um outro caso comum de uso indevido é dos hipnóticos do tipo “drogas Z” (como zolpidem) para insônia, que são cada vez mais usados de forma recreativa, com risco de dependência e efeitos adversos. Também entra nessa categoria o comportamento de “hackear o corpo” ou usar medicamentos para performance, humor, sono, concentração, algo que ultrapassa os limites do tratamento médico.

Mulher tomando paracetamol depois da vacina
Remédios aprovados para uso humano são lícitos, regulados e têm finalidade médica. (Imagem: Doucefleur / Shutterstock)

Consequências e riscos do uso recreativo de medicamentos

O uso recreativo de medicamentos acarreta riscos concretos à saúde física e mental. Conforme estudo, automedicação e uso de medicamentos sem prescrição podem estar associados ao consumo excessivo de álcool e ao uso de drogas ilícitas.

Além disso, o uso recreativo de medicamentos pode levar à dependência química, efeitos adversos como arritmias, AVC, intoxicação, interação medicamentosa inesperada, como alertou a Anvisa.

Do ponto de vista social, há também estigmas, tabus e lacunas na informação, já que tomar “remédio” parece menos grave que “droga”, mas o risco pode ser comparável ou até maior em casos de abuso. A confusão entre termos pode atrasar o reconhecimento do problema.

Assim, a consequência da mistura entre remédio e uso recreativo é um importante desafio para saúde pública, que exige conscientização, regulação, educação e vigilância.

Na cultura popular, “remédios” são vistos como aliados da saúde, “drogas” como problema social. Essa divisão simplificada ajuda no discurso público, mas oculta nuances importantes. O documento sobre estigma das drogas aponta que o uso de medicamentos lícitos com potencial de abuso muitas vezes é menos visto como risco em comparação ao uso “ilícito”.

Esse olhar social também reflete em políticas públicas, abordagens de tratamento, prevenção e discurso de mídia. Por exemplo, campanhas de conscientização geralmente focam em drogas ilícitas e menos em medicamentos usados indevidamente.

Além disso, a linguagem importa. Se um jovem toma um remédio sem prescrição para “relaxar”, pode não se ver como “usuário de droga”, o que dificulta o reconhecimento do risco e a busca de ajuda.
Portanto, repensar como usamos e entendemos esses termos pode ajudar a reduzir o estigma e aumentar a efetividade das intervenções de saúde pública.

Importância de regulação, prescrição e educação

Para garantir que remédios permaneçam no papel terapêutico e não se tornem “drogas recreativas”, é fundamental que haja regulação rigorosa, com prescrição, fiscalização e orientação ao paciente, além de educação da população e monitoramento do uso de substâncias.

Profissionais de saúde, como médicos e farmacêuticos, têm papel chave em educar os pacientes sobre os riscos de uso fora de indicação, sobre interações medicamentosas, dependência e automedicação. Para o público jovem e em geral, campanhas de conscientização devem abordar que “remédio” não é sinônimo de “seguro” se usado sem indicação ou supervisão, e que o comportamento recreativo com medicamentos tem consequências reais. Além disso, políticas públicas devem acompanhar os novos padrões de uso.

punhado de remédios repousados em uma mesa
O uso recreativo de medicamentos acarreta riscos concretos à saúde física e mental. (Imagem: nito/Shutterstock)

As informações presentes neste texto têm caráter informativo e não substituem a orientação de profissionais de saúde. Consulte um médico ou especialista para avaliar o seu caso.

Camila Oliveira
Colaboração para o Olhar Digital

Camila Oliveira é jornalista desde 2012. Curiosa e inquieta, já passou por diversas editorias e também trabalhou em outras áreas. Hoje é colaboradora do Olhar Digital e escreve sobre o que mais gosta.

Layse Ventura
Editor(a) SEO

Layse Ventura é jornalista (Uerj), mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento (Ufsc) e pós-graduada em BI (Conquer). Acumula quase 20 anos de experiência como repórter, copywriter e SEO.