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O pior episódio de derramamento de óleo cru no litoral brasileiro, ocorrido em 2019, foi o ponto de partida de uma pesquisa inovadora que criou um método para identificar patógenos em pescados. O estudo adaptou máquinas de café espresso em equipamentos laboratoriais para simular a técnica de extração por líquido pressurizado.
Nesse processo, as amostras de pescado são colocadas em cápsulas, onde são extraídas de maneira similar à preparação de um café. Após a extração, cada composto era separado por líquidos e, depois, transformado em íons para permitir a identificação de acordo com sua massa e carga elétrica. Isso permite detectar com alta precisão cada substância ali presente.
Durante os quatro anos de estudo, mais de mil análises foram realizadas, abrangendo uma ampla gama de espécies, incluindo peixe, camarão, lagosta, mexilhão, ostra e polvo. Em paralelo, os métodos também forneceram suporte à investigação forense do desastre, conduzida pela Polícia Federal.

O trabalho foi conduzido como parte do doutorado de Ana Paula Zapelini de Melo em colaboração com os laboratórios do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA), especificamente o Laboratório Federal de Defesa Agropecuária do Rio Grande do Sul (LFDA-RS) e o Setor Laboratorial Avançado de Santa Catarina (SLAV-SC) para atender diretamente os efeitos do desastre ambiental.
É oficial
A técnica foi validada conforme as diretrizes do MAPA e da União Europeia, tornando-se o primeiro protocolo oficial do Brasil para controle de contaminantes petrogênicos em pescado. “Embora o método utilizando a cafeteira tenha se mostrado eficiente em um momento de emergência de saúde pública, o aumento do número de amostras durante as investigações do desastre exigiu o desenvolvimento de um método ainda mais eficiente”, explica a pesquisadora.
Para atender a demanda, a equipe validou um método avançado utilizando extração dispersiva guiada energizada. O processo combina duas técnicas simultâneas: a extração por líquido pressurizado e a extração em fase sólida dispersiva, permitindo uma análise ainda mais rápida e automatizada das amostras de pescado. É, atualmente, o procedimento oficial de Laboratórios Federais de Defesa Agropecuária do MAPA.

“A pesquisa foi fundamental para preservar a subsistência das comunidades pesqueiras, que dependem da pesca como principal fonte de renda e alimentação. Ao fornecer informações confiáveis, o estudo garantiu a segurança dos produtos, restaurou a confiança dos consumidores e contribuiu para a continuidade da indústria pesqueira”, afirma Ana Paula.
As primeiras manchas de óleo foram detectadas no litoral de Paraíba, Sergipe e Pernambuco em 30 de agosto de 2019. Ao longo de setembro, elas se espalharam pela costa dos nove estados do Nordeste, além de Espírito Santo e Rio de Janeiro, no Sudeste.
Ao todo, cerca de 5 mil toneladas de óleo cru, atribuídas ao petroleiro grego Bouboulina, se espalharam por quase 3 mil km, no que ainda hoje é considerado o maior desastre ambiental no litoral brasileiro. Novas manchas foram detectadas em 2022.

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Reconhecimento
Intitulado ‘Derramamento de petróleo no litoral brasileiro: desenvolvimento de métodos analíticos para controle de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos e monitoramento de pescado baseado em risco’, o trabalho de doutorado venceu o Prêmio CAPES de Tese 2024 na área de Ciência de Alimentos.
Atualmente, como pós-doutoranda em Ciência de Alimentos na UFSC, a pesquisadora está estudando a contaminação de pescado com nano e microplásticos. “Um tema emergente e de grande relevância para a segurança dos alimentos.”