Sistema Solar pode se deslocar pelo espaço três vezes mais rápido que o previsto

Se o Sistema Solar estiver se movendo tão depressa, talvez seja preciso rever ideias essenciais sobre a estrutura ampla observável do Universo
Flavia Correia17/11/2025 22h07
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O sistema solar pode estar se movendo pelo espaço três vezes mais rápido do que o esperado. Crédito: Sergey Nivens - Shutterstock
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Um estudo publicado este mês na revista Physical Review Letters sugere que o Sistema Solar pode estar viajando pelo espaço a uma velocidade mais de três vezes superior à esperada. 

A conclusão vem de uma equipe internacional de cientistas que analisou mapas de radiogaláxias obtidos com o radiotelescópio LOFAR (sigla em inglês para “Matriz de Baixa Frequência, uma rede de antenas distribuídas pela Europa) e outros dois instrumentos. 

Ao medir como essas galáxias emissoras de rádio se distribuem no céu, os pesquisadores detectaram um padrão que sugere um “empurrão” direcional mais intenso do que o previsto pelo modelo padrão da cosmologia – o principal referencial para explicar a composição e a evolução do Universo.

O Sistema Solar viaja pelo espaço muito mais rápido do que acreditava a ciência, segundo um novo estudo. Crédito: Buradaki – Shutterstock

Em resumo:

  • Contagem de radiogaláxias revelou um excesso sutil na direção do movimento do Sistema Solar;
  • O sinal de anisotropia observado foi quase quatro vezes mais forte que o previsto pelo modelo padrão;
  • Resultado combina com medições infravermelhas de quasares feitas anteriormente;
  • Achado pode exigir revisão de pressupostos sobre a estrutura em larga escala do cosmos.

Como o “empurrão” foi detectado

Radiogaláxias são galáxias que brilham intensamente no rádio, com enormes “lóbulos” de emissão que se estendem além da região visível das estrelas. Por emitirem em comprimentos de onda longos, suas ondas de rádio atravessam nuvens de gás e poeira que frequentemente bloqueiam outras formas de luz. Isso as torna excelentes marcadores para estudos do céu profundo.

Ao contar quantas radiogaláxias aparecem em diferentes direções, os cientistas esperam detectar um leve desequilíbrio (conhecido como anisotropia) causado pelo nosso próprio movimento pelo espaço. Em termos simples, na direção para onde nos deslocamos, deveríamos ver um pouquinho mais de fontes; no lado oposto, um pouco menos. Essa diferença é minúscula e só aparece com instrumentos extremamente sensíveis e catálogos muito amplos, como os do LOFAR.

No novo estudo, a equipe encontrou uma anisotropia mais intensa do que a calculada por modelos cosmológicos atuais. “Nossa análise mostra que o Sistema Solar está se movendo mais de três vezes mais rápido do que os modelos atuais preveem”, declarou o líder do estudo, Lukas Böhme, da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, em um comunicado. “Este resultado contradiz claramente as expectativas baseadas na cosmologia padrão e nos obriga a reconsiderar nossas suposições anteriores.”

O sinal não surgiu do nada: ele ecoa o que já havia sido apontado por observações infravermelhas de quasares – núcleos galácticos muito energéticos alimentados por buracos negros supermassivos. A coincidência entre métodos diferentes aumenta a confiança de que a anomalia não é fruto de erro estatístico ou viés instrumental, e sim um traço real do céu.

Uma gigantesca radiogaláxia vista pelo Telescópio Espacial Hubble e pelo radiotelescópio Karl G. Jansky Very Large Array (VLA). Crédito: NASA , ESA , S. Baum e C. O’Dea (RIT), R. Perley e W. Cotton (NRAO/AUI/NSF) e a Equipe Hubble Heritage (STScI / AURA)

Mesmo assim, os cientistas são cautelosos. “Se o nosso Sistema Solar estiver realmente se movendo tão rápido, precisamos questionar pressupostos fundamentais sobre a estrutura em larga escala do Universo”, disse o cosmólogo Dominik J. Schwarz, também de Bielefeld. “Alternativamente, a própria distribuição das radiogaláxias pode ser menos uniforme do que acreditávamos. Em ambos os casos, nossos modelos atuais estão sendo colocados à prova.”

Segundo os autores, o trabalho atrai atenção porque mexe com uma das bases da cosmologia observacional: a ideia de que, em larga escala, o Universo é homogêneo e isotrópico. Se a distribuição de fontes distantes não for tão uniforme quanto se supõe, ou se nosso movimento for maior do que imaginado, as ferramentas usadas para “medir” o cosmos – e interpretá-lo – precisarão ser recalibradas.

Núcleo da rede de radioastronomia LOFAR. Crédito: LOFAR/Astron

Leia mais:

Por que investigar o movimento do Sistema Solar

O próximo passo é ampliar os levantamentos e refinar as análises para separar, com mais nitidez, o que é movimento real do Sistema Solar do que é variação intrínseca na distribuição das radiogaláxias. Isso inclui checagens cruzadas com outros catálogos e frequências, além de técnicas estatísticas que reduzam possíveis vieses.

Além de abrir uma janela para ajustar teorias cosmológicas, o achado tem efeitos práticos. Referências de fundo usadas para navegação de sondas, geodésia de alta precisão e sincronização de sistemas de comunicação se apoiam em catálogos celestes estáveis. Melhorar essas medições impacta diretamente a confiabilidade de redes, posicionamento e monitoramento do clima espacial – fatores que sustentam serviços essenciais e a segurança de missões tripuladas. 

Com modelos mais precisos do nosso movimento e do ambiente cósmico, aumentam as chances de proteger astronautas, planejar rotas no espaço com mais eficiência e tornar tecnologias aqui na Terra ainda mais robustas para o dia a dia.

Flavia Correia
Redator(a)

Jornalista formada pela Unitau (Taubaté-SP), com Especialização em Gramática. Já foi assessora parlamentar, agente de licitações e freelancer da revista Veja e do antigo site OiLondres, na Inglaterra.