3I/ATLAS: como saber se é uma nave alienígena?

Ele solta gases como um cometa, mas gerou teorias de uma nave. Entenda o passo a passo da ciência para decifrar a verdadeira natureza desse visitante interestelar
Por Marcelo Zurita, editado por Lucas Soares 23/11/2025 10h16
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Nos últimos dias, os aliens voltaram para a “balada astronômica” com a chegada do cometa 3I/ATLAS, um visitante interestelar que está cruzando nosso Sistema Solar. Internautas, youtubers e até mesmo renomados astrofísicos inundaram as redes sociais com teorias extraordinárias: “E se não for um cometa? E se for… uma nave alienígena?”.

A imaginação humana é fértil — e é isso que a torna maravilhosa. Mas enquanto ela voa, a ciência precisa caminhar com os pés no chão… e nunca deixar a órbita dos fatos. Então, antes de corrermos para as montanhas, vamos “ouvir” o que as lentes dos nossos telescópios e da razão têm a dizer. Afinal, como poderíamos realmente saber se estamos sendo visitados por uma espaçonave alienígena?

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[ Cometa interestelar 3I/ATLAS registrado pelo Telescópio Gemini Sul – Créditos: Observatório Internacional Gemini / NOIRLab / NSF / AURA ]

Antes de tudo, vale lembrar uma regra de ouro da ciência: afirmações extraordinárias exigem evidências extraordinárias. Isso não significa que devemos ignorar hipóteses ousadas — apenas que precisamos testá-las com o mesmo rigor que testamos as mais comuns. Afinal, o Universo já nos surpreendeu com coisas bem estranhas: estrelas de nêutrons, buracos negros, energia escura… Não custa nada ele nos trazer a visita de seres extraterrestres! 

Só precisamos ter cuidado com nossos vieses humanos. A ciência não existe para confirmar aquilo em que acreditamos. Muitas vezes ela contraria nossas crenças e nem sempre nos entrega as respostas que procuramos. Mas é justamente por isso que ela é nossa melhor ferramenta para nos aproximar da verdade. Então, se quisermos mesmo descobrir se estamos sendo visitados, precisamos começar pela base: o que uma espaçonave alienígena deixaria de pista?

Não sabemos muito sobre tecnologia alienígena, afinal, nunca tivemos contato com ela. Mas com aquilo que conhecemos da física e da engenharia, podemos imaginar que uma espaçonave que pudesse viajar pelo espaço profundo a velocidades estonteantes deveria ser feita de materiais leves e resistentes. E embora nada impeça que os engenheiros extraterrestres possam construir naves com formatos irregulares, uma geometria incomum — com simetria, curvas suaves e ângulos retos — certamente chamaria atenção. Seria uma assinatura incontestável de um artefato tecnológico.

Por isso, os astrônomos investigariam os possíveis candidatos com imagens de alta resolução, espectroscopia e radar, procurando materiais e formas que não são compatíveis com objetos naturais. Mas lembre-se: “estranho” não é o mesmo que “artificial”. Já encontramos asteroides com formas improváveis e compostos inteiramente de metais. Todos forjados pela natureza. O Universo é criativo — e às vezes, ele parece brincar com a nossa curiosidade.

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[ Asteroide 216 Kleopatra é metálico e possui um formato alongado que lembra um osso – Créditos: ESO ]

A segunda pista seria o comportamento do objeto. Se ele se mover de maneira que não pode ser explicada por forças naturais — como mudar de direção, reduzir velocidade, ou acelerar sem degelo, jatos ou pressão de radiação — aí sim começamos a ter algo realmente interessante.
Esse tipo de estudo exige monitoramento contínuo e astrometria precisa. No caso de objetos interestelares anteriores, como o famoso ‘Oumuamua, pequenas acelerações anômalas já geraram grandes debates. Mas “anômalo” não é sinônimo de “tecnologia extraterrestre” — pode ser apenas o sinal de que ainda não entendemos completamente a natureza do objeto. A ciência avança assim — descartando o improvável até que reste apenas o que faz sentido.

E já que estamos falando de movimento, vale lembrar que viagens interestelares exigem velocidades bastante elevadas.

Na série O Problema dos Três Corpos, os alienígenas levariam cerca de 400 anos para chegar à Terra. Se partissem de Próxima Centauri, o sistema estelar mais perto do nosso, a 4,26 anos-luz de distância, precisariam viajar a uns 11,5 milhões de km/h para chegar nesse tempo.

O cometa 3I/ATLAS, nosso visitante da vez, viaja a “apenas” 210 mil km/h — se fosse uma nave interestelar, seria uma nave muito lenta, e precisaria de mais de 20 mil anos para cobrir essa distância. O próprio Sol orbita o centro da Via Láctea a uma velocidade maior, cerca de 720 mil km/h. Então? O 3I/ATLAS se parece mais com uma sonda alienígena super avançada ou com mais um pedaço natural do cosmos seguindo o fluxo do trânsito galáctico?

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[ Trajetória do Cometa 3I/ATLAS em sua passagem pelo sistema solar – Créditos: JPL/NASA ]

Parece plausível imaginar que uma sonda espacial enviada para explorar nosso Sistema Solar, possua alguma tecnologia para se comunicar com seu planeta de origem ou, quem sabe, com a gente. Transmissões de rádio, pulsos de luz, flashes infravermelhos, ou sinais de fumaça — algo que se destacasse do ruído natural do espaço. Isso seria um prato cheio para as redes de observatórios como o SETI, que monitoram constantemente o céu em busca desse tipo de assinatura. Mas até agora, o 3I/ATLAS tem sido… silencioso. Nenhum “alô” cósmico, nenhum pulso enigmático, nada além do brilho natural de sua coma.

Alguns entusiastas apontaram que a trajetória do 3I/ATLAS parece “planejada”, porque passaria perto de Marte, Vênus e Júpiter justamente quando a Terra estaria do outro lado do Sol — como se “eles” estivessem nos evitando. Mas qual a lógica de se viajar trilhões de quilômetros pelo espaço para visitar nosso Sistema Solar, e não dar uma passadinha na Terra? Seria como atravessar o oceano para ir à Paris e não tirar uma selfie com a Torre Eiffel.

E se o objetivo fosse se esconder, usar uma nave de 5 quilômetros de diâmetro que solta gases luminosos não parece muito inteligente. Ou os alienígenas são muito tímidos, ou o 3I/ATLAS é apenas o que parece ser — um cometa natural vindo de muito longe.

Evidentemente a tecnologia dos aliens pode ser avançada demais para nossa compreensão. Esse argumento abre infinitas possibilidades, como a comunicação de uma forma invisível para nós, portais, viagens acima da velocidade da luz e até mesmo a ideia de uma nave disfarçada de cometa para passar “despercebida” pelo nosso Sistema Solar. Podemos acreditar nisso. Aliás, podemos acreditar em qualquer coisa. Só que para a ciência, não importa o que acreditamos, e sim, àquilo que sabemos de fato. Alegações extraordinárias exigem evidências igualmente extraordinárias, e essas, ainda não temos nenhuma. 

Por enquanto, o 3I/ATLAS parece se comportar exatamente como esperamos de um cometa interestelar: um visitante natural, rápido, gelado e deslumbrante. Mas, ainda que não seja uma nave alienígena, continua sendo um objeto alienígena, no melhor sentido da palavra — vindo de outro sistema estelar, como uma amostra de uma outra parte da galáxia, com suas características próprias, curiosidades e mistérios, os quais não teríamos acesso de outra forma. E talvez seja isso o mais importante — cada visitante, natural ou não, é uma oportunidade única de conhecermos um pouco mais do Universo a que pertencemos. 

Marcelo Zurita
Colunista

Pres. Associação Paraibana de Astronomia; membro da Sociedade Astronômica Brasileira; diretor técnico da Rede Brasileira de Observação de Meteoros – e coordenador regional do Asteroid Day Brasil

Lucas Soares
Editor(a)

Lucas Soares é jornalista formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e atualmente é editor de ciência e espaço do Olhar Digital.

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