Telescópio no Atacama encerra missão após quase 20 anos – e bagunça a teoria do Universo

Dados finais de telescópio do Atacama reforçam “tensão de Hubble”, derrubam teorias alternativas e indicam falha na explicação sobre Universo
Pedro Spadoni24/11/2025 12h03
Ilustração de telescópio no Atacama apontando para céu estrelado mostrando Via Láctea
(Imagem: Pedro Spadoni via ChatGPT/Olhar Digital)
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O Telescópio Cosmológico do Atacama (ACT) publicou a sua última grande leva de dados, encerrando quase 20 anos de observações no deserto chileno. Os resultados, reunidos em três artigos no Journal of Cosmology and Astroparticle Physics (JCAP), fortalecem a chamada “tensão de Hubble” e ainda descartam modelos teóricos alternativos que tentavam explicar mistério sobre o Universo.

Com isso, o fim da missão não fecha uma porta, ele abre outra. Ao confirmar que nossas medidas do cosmos não batem e ao “limpar” versões estendidas do modelo cosmológico padrão, o ACT deixa o recado de que algo não está funcionando na teoria com a qual descrevemos o Universo. A missão acabou, mas o quebra-cabeça agora ficou mais claro (e mais urgente) para a comunidade científica.

ACT reforça a ‘tensão de Hubble’ e elimina modelos alternativos

A constante de Hubble funciona como um “velocímetro” do cosmos. Isso porque ela indica a taxa atual de expansão do Universo. O problema é que o número não bate quando medimos essa expansão de formas diferentes. 

A “tensão de Hubble” funciona como um “velocímetro” do Universo, mas o número não bate quando se mede a expansão do cosmos de maneiras diferentes (Imagem: Brunohitam/Shutterstock)

Observações feitas a partir da luz mais antiga do Universo apontam um valor. Já medições feitas olhando para galáxias próximas indicam outro. Essa diferença persistente é a chamada “tensão de Hubble”.

Os novos dados do ACT mostram que o valor obtido a partir da Radiação Cósmica de Fundo (RCF) coincide com o do satélite Planck. E não apenas pelos mapas de temperatura observados anteriormente, mas também pelos novos mapas de polarização

Essa confirmação dupla torna a discrepância com observações locais mais robusta do que antes. E isso reforça que o problema não é só estatístico. É físico também.

Esse conflito atinge o modelo cosmológico padrão, conhecido como ΛCDM, no qual “Λ” representa a energia escura e CDM indica a matéria escura fria.

Para tentar resolver a tensão, cientistas criaram versões “estendidas” desse modelo, propondo ajustes teóricos que pudessem reconciliar as medições. Até agora, esses caminhos funcionavam como hipóteses plausíveis, mesmo que ainda sem consenso.

Com os novos dados, o ACT testou aproximadamente 30 desses modelos estendidos. O resultado foi: “Eles estão eliminados”. 

A notícia não é uma derrota, mas um filtro. Ao reduzir o número de possíveis explicações, a missão evita que a ciência desperdice esforço em becos sem saída. Isso deixa pesquisadores com menos teorias, porém mais sólidas, para explorar.

Telescópio no Atacama revela detalhes que satélite Planck não enxergou

Localizado a cinco quilômetros de altitude no Deserto do Atacama, no Chile, o ACT foi projetado para estudar a Radiação Cósmica de Fundo, a “luz fóssil” emitida quando o Universo tinha cerca de 380 mil anos

Os dados do Telescópio Cosmológico do Atacama chegam como uma lente polida para se estudar o Universo (Imagem: zhengzaishuru/Shutterstock)

Essa radiação preenche todo o céu, como um retrato congelado do Universo primordial. Até agora, a melhor visão desse retrato vinha do satélite Planck, que observou a variação de temperatura dessa luz.

O ACT adiciona uma camada fundamental a esse retrato: a polarização da RCF, uma propriedade da luz que indica a direção em que seu campo eletromagnético oscila. 

Ao mapear essa característica, o telescópio traz novos indícios sobre como o Universo se comportava logo após o Big Bang. Isso abre janelas diferentes para entender a matéria escura, a energia escura e até possíveis novas partículas.

Se os dados do Planck funcionavam como um mapa detalhado, os do ACT chegam como uma lente polida. Como descreveu a cosmóloga Erminia Calabrese, comparar os novos mapas aos antigos é “como limpar seus óculos”.

Graças ao espelho de seis metros (muito maior que o do satélite, de um metro e meio), o telescópio produziu mapas de polarização com resolução bem mais alta

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Esses resultados não substituem os do Planck, eles os complementam. O Planck oferece abrangência global; o ACT traz nitidez cirúrgica. Juntos, formam uma visão composta que a própria comunidade descreve como “extremamente rica”. 

Com os dados finais da missão (DR6) agora liberados, a comunidade científica ganha um “começo importante”. Agora, cientistas poderão  explorar o que ainda não entendemos sobre o Universo de maneira mais assertiva.

(Você pode conferir os três artigos publicados no Journal of Cosmology and Astroparticle Physics aqui, aqui e aqui.)

Pedro Spadoni
Redator(a)

Pedro Spadoni é jornalista formado pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Já escreveu para sites, revistas e até um jornal. No Olhar Digital, escreve sobre (quase) tudo.