Como um mapa errado na Bíblia ajudou a criar as fronteiras do mundo moderno

Mapa foi impresso errado na Bíblia, mas se tornou referência e ajudou a moldar nossa visão sobre fronteiras
Vitoria Lopes Gomez02/12/2025 17h29
mapa bíblia
(Imagem: Shutterstock.AI Generator)
Compartilhe esta matéria
Ícone Whatsapp Ícone Whatsapp Ícone X (Tweeter) Ícone Facebook Ícone Linkedin Ícone Telegram Ícone Email

Siga o Olhar Digital no Google Discover

Um mapa da Terra Santa impresso na Bíblia há 500 anos, com o Mediterrâneo invertido, pode ter influenciado decisivamente a maneira como enxergamos o planeta hoje. A tese é do pesquisador Nathan MacDonald, professor de Interpretação do Antigo Testamento em Cambridge, que avaliou o papel de mapas bíblicos na formação das noções de fronteira e território.

Mesmo com falhas óbvias, o mapa de Lucas Cranach, o Velho, que faz parte do Antigo Testamento, foi a primeira obra cartográfica incluída em uma bíblia. Para MacDonald, esse “fracasso e triunfo editorial” ajudou a transformar linhas simbólicas em fronteiras políticas.

Mapa bíblico desenhado por Lucas Cranach, o Velho, foi impresso invertido (Imagem: The Master and Fellows of Trinity College, Cambridge/Reprodução)

O mapa espelhado que virou referência na Bíblia

O mapa de Cranach, de 1525, foi impresso ao contrário: o Mediterrâneo apareceu a leste da Palestina. A inversão passou na revisão porque, na época, muitos europeus não conheciam a geografia da região.

Antes disso, as bíblias eram de difícil acesso. Elas eram escritas em latins e lidas majoritariamente por sacerdotes durante rituais. Com o avanço do Protestantismo, a obra ficou mais acessível e passou a ser lida por mais pessoas, o que levou à interpretação das palavras em seu sentido literal.

Nesse caso, os mapas passaram a funcionar como apoio visual. E o mapa errado virou referência.

Professor Nathan MacDonald defende que mapa errado ajudou a moldar noções de fronteiras que, hoje, são reais (Imagem: Universidade de Cambridge/Reprodução)

Mapa errado virou fronteira

Atlas medievais frequentemente serviam a propósitos teológicos. Mesmo os mapas bíblicos antigos eram baseados em descrições de autores com seus próprios ideais políticos e simplificações didáticas. Ou seja, eles não necessariamente refletiam a realidade, mas sim a visão de seu criador.

Com a popularização das bíblias impressas, as linhas deixaram de ser meramente simbólicas e passaram a ser vistas como limites reais. O resultado? Os leitores acreditaram que as fronteiras desenhadas no papel correspondiam à soberania política sobre o território.

Segundo MacDonald, em muitos casos, os mapas presentes nas bíblias levaram a cartografia a uma demarcação territorial que sequer existia.

Pesquisador lembrou que mapas bíblias não necessariamente representavam a geografia real (Imagem: Hucklebarry/Pixabay)

Leia mais:

Bíblia ajudou a traçar fronteiras reais

  • O estudo argumenta que a concepção de nação foi influenciada pela Bíblia, ao mesmo tempo em que novas ideias políticas moldaram a leitura do texto sagrado;
  • Para o autor, hoje, as fronteiras têm mais fé por parte do público do que a própria Bíblia. Afinal, mesmo quem não acredita no documento sagrado acredita na demarcação dos territórios;
  • MacDonald lembra como os mapas, apesar de não serem geograficamente precisos, ajudaram a moldar a noção de fronteiras e tiveram um impacto prático em consolidar essa ideia no mundo moderno.

O trabalho foi publicado no periódico The Journal of Theological Studies.

Vitória Lopes Gomez é jornalista formada pela UNESP e redatora no Olhar Digital.

Ícone tagsTags: