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Desde pequenos, aprendemos que os seres humanos veem o mundo com cores que vão do vermelho ao violeta, o chamado espectro visível. Esse conjunto de cores representa apenas uma parte do que a luz pode oferecer, já que há frequências fora desse intervalo que nossos olhos não captam. Porém, muitas espécies conseguem perceber a luz ultravioleta (UV), algo que permanece invisível para nós.
Essa diferença não é apenas curiosidade biológica, pois para muitos animais, a visão em UV é uma ferramenta fundamental de sobrevivência. Permite localizar flores com néctar, diferenciar machos de fêmeas, caçar ou se proteger de predadores, e até se orientar no ambiente.
Ao enxergar o que é invisível para humanos, essas espécies têm uma percepção de mundo distinta, e adaptada à sua ecologia, hábitos e necessidades.
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Entender por que alguns animais têm visão ultravioleta e os humanos não nos ajuda a compreender melhor a diversidade da natureza e como o processo evolutivo moldou os sentidos de cada espécie. Saiba mais na matéria abaixo.

O que é a visão ultravioleta e para que ela serve?
A visão ultravioleta é a habilidade de perceber comprimentos de onda menores que os captados pelos olhos humanos, geralmente entre 300 e 400 nanômetros. Para que isso seja possível, o animal precisa ter fotorreceptores especializados, como cones adicionais que ampliam o alcance do espectro visível. Muitas aves, por exemplo, possuem quatro tipos de cones, enquanto nós temos três, e esse cone extra capta frequências UV com alta precisão. A lente ocular dessas espécies também costuma ser mais transparente, permitindo que a luz ultravioleta alcance a retina sem ser bloqueada.
Além disso, algumas espécies também evoluíram com estruturas oculares que reduzem a dispersão da luz ultravioleta, garantindo uma imagem mais nítida. Em humanos, a córnea e, principalmente, o cristalino, funcionam como filtros naturais que impedem a entrada desse tipo de radiação. Isso nos protege contra danos celulares causados pela energia elevada da luz UV, mas também limita nossa percepção. Mesmo que alguns fotorreceptores humanos tivessem capacidade residual de captar comprimentos de onda menores, a luz simplesmente não chega até eles.
Essa combinação de fatores determina se uma espécie será capaz ou não de perceber o ultravioleta. A evolução ajustou essas características de acordo com a necessidade ecológica de cada animal, reforçando que a visão UV é um componente adaptativo fundamental para muitas espécies.
Vantagens no dia a dia animal
A visão ultravioleta oferece vantagens para a sobrevivência e reprodução de diversos animais. Uma das mais conhecidas ocorre entre insetos e aves que dependem de flores como fonte de alimento, pois muitas plantas desenvolveram padrões visuais, chamados de guias de néctar, que só são percebidos em ultravioleta. Esses padrões funcionam como uma “sinalização luminosa”, indicando exatamente onde o inseto deve pousar para encontrar alimento.
A visão UV também está ligada à comunicação. Entre aves, por exemplo, penas que parecem totalmente brancas ou opacas para nós podem refletir luz ultravioleta de forma intensa. Isso permite que machos demonstrem vigor físico e status reprodutivo, ajudando as fêmeas a selecionar parceiros mais saudáveis. Em mamíferos, a capacidade de perceber UV pode permitir a identificação de trilhas, urina, fezes ou marcas territoriais com muito mais contraste do que vemos.
Outra vantagem aparece em ambientes extremos. As renas usam a visão UV para enxergar melhor em ambientes nevados, onde o excesso de branco reduz o contraste no espectro visível. A luz ultravioleta é refletida de forma diferente pela neve e por pelos de predadores como lobos, criando um contraste que facilita a sobrevivência.

Limitações e desvantagens
Perceber luz ultravioleta também traz desafios biológicos. A radiação UV possui maior energia, o que significa que ela pode causar danos acumulativos às células dos olhos, principalmente à retina e às proteínas estruturais da lente. Por isso, diversas espécies desenvolveram mecanismos de proteção, enquanto outras evoluíram bloqueando quase totalmente essa faixa de luz. Assim, nossa “limitação visual” atua como um filtro protetor natural, diminuindo riscos de catarata precoce ou degeneração retiniana pelo excesso de exposição ultravioleta.
A visão ultravioleta também tende a reduzir a nitidez e o foco em alguns casos, principalmente quando o animal possui olhos maiores ou mais complexos. Isso acontece porque comprimentos de onda muito curtos sofrem mais refração e dispersão ao atravessar materiais biológicos. Em espécies que dependem de alta acuidade visual no espectro visível, como certos primatas ou animais de caça de grande porte, é mais vantajoso sacrificar a sensibilidade ao UV para ter clareza e precisão em outras frequências.
Outro ponto é que animais com visão UV podem ter mais dificuldade de enxergar em ambientes com excesso de luz solar, já que a radiação ultravioleta é maior durante o dia e pode “ofuscar” outras informações visuais. Nesses casos, a natureza equilibra as necessidades da espécie, e equanto algumas conseguem alternar entre modos visuais ou usam estruturas anatômicas para controlar a entrada de luz, outras simplesmente não desenvolveram esse tipo de visão por não trazer vantagem.
Por que alguns animais têm visão ultravioleta, mas não os seres humanos?
A diferença entre humanos e animais com visão ultravioleta se deve principalmente pelo processo evolutivo. Espécies como aves, peixes, insetos e répteis mantiveram fotorreceptores sensíveis a comprimentos de onda curtos porque isso lhes ofereceu vantagens ecológicas. Aves, por exemplo, conseguem identificar frutos maduros ou distinguir folhas jovens através de padrões refletidos em UV.
Já nos primatas, a evolução tomou um caminho diferente. Há indícios de que nossos ancestrais se beneficiaram muito mais do desenvolvimento da visão tricromática, na distinção entre tons de vermelho e verde. Essa adaptação foi essencial para identificar alimentos nutritivos, diferenciar folhas tenras de folhas velhas e reconhecer sinais comportamentais entre indivíduos da mesma espécie. Nesse contexto, a visão UV não oferecia benefícios e, portanto, não foi preservada. Em vez disso, desenvolvemos lentes oculares espessas e amareladas, que bloqueiam boa parte da radiação ultravioleta como forma de proteção.
Isso não significa que humanos são incapazes de detectá-lo totalmente, já que cirurgias de catarata que removem o cristalino podem permitir alguma percepção ultravioleta, mas sim que nossa biologia atual foi moldada para priorizar segurança ocular e nitidez visual dentro do espectro visível.

Exemplos de animais com visão ultravioleta
Diversas espécies utilizam a visão ultravioleta de formas que mudam sua interação com o ambiente. Abelhas, são capazes de enxergar padrões UV nas flores que agem como “setas luminosas” indicando onde está o néctar. Isso aumenta a eficiência da polinização e garante que essas plantas continuem se reproduzindo. Pássaros também usam a UV-refletância nas penas para identificar parceiros sexualmente aptos, e algumas espécies exibem marcas que são essenciais para comportamentos reprodutivos.
Já entre os mamíferos, renas e outros animais adaptados a ambientes nevados dependem da visão ultravioleta para detectar contrastes imperceptíveis no espectro visível. Cães e gatos, mesmo que não tenham visão UV tão desenvolvida quanto aves ou insetos, conseguem perceber mais reflexos ultravioleta do que os humanos, o que pode explicar comportamentos curiosos, como observar superfícies que parecem completamente comuns aos nossos olhos.