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Um homem que vive com HIV permanece há mais de seis anos sem apresentar sinais do vírus após receber um transplante de células-tronco para tratar uma leucemia mieloide aguda. O caso, descrito em um manuscrito aceito pela revista Nature, reforça que a remissão duradoura pode ocorrer mesmo sem a mutação genética considerada, por muito tempo, essencial para a chamada “cura funcional”.
O estudo indica que a mutação CCR5Δ32, historicamente vista como peça-chave nesses casos, pode não ser indispensável. A pesquisa, segundo os autores, amplia o entendimento sobre possíveis caminhos para controlar a infecção no longo prazo.

A Nature ressalta que o artigo analisado é uma versão não editada, disponibilizada previamente para acesso público. O texto ainda passará por revisão adicional, e os autores alertam que possíveis erros podem afetar o conteúdo final.
Remissão prolongada sem a mutação completa
O manuscrito explica que paciente e doador eram heterozigotos para a mutação CCR5Δ32, o que significa que cada um tinha apenas uma cópia da variante. Nesse cenário, o organismo ainda produz parte do receptor CCR5, porta de entrada usada pelo HIV para infectar células do sistema imunológico.
O transplante de células-tronco foi realizado exclusivamente para tratar a leucemia. Três anos depois, com o câncer controlado, a equipe médica interrompeu a terapia antirretroviral (TARV). Desde então, já se passaram mais de seis anos sem que exames detectassem o vírus, indicando remissão sustentada e sem sinais de replicação ativa.

Reservatório viral muito reduzido
Durante o acompanhamento, os pesquisadores observaram indicadores consistentes de baixa atividade viral. Entre os principais pontos, o manuscrito cita RNA do HIV indetectável no plasma, ausência de vírus replicativamente competente em sangue e tecidos intestinais e uma queda acentuada de anticorpos e células T específicas para o HIV.
Outro achado destacado é que havia HIV proviral intacto antes do transplante, mas nenhum sinal posterior de vírus funcional. Os dados sugerem que o procedimento contribuiu para um esvaziamento profundo do reservatório viral, conjunto de células onde o vírus costuma permanecer latente.
Papel da resposta imune
O estudo aponta ainda que a resposta imunológica pode ter desempenhado papel importante nesse processo. No momento do transplante, o paciente apresentava alta atividade de citotoxicidade celular dependente de anticorpos (ADCC), mecanismo no qual anticorpos marcam células infectadas para que outras células de defesa as destruam.
Essa atividade pode ter ajudado a eliminar células que ainda carregavam o HIV, contribuindo para a redução do reservatório viral. Para os pesquisadores, o caso indica que caminhos biológicos adicionais — além da mutação CCR5Δ32 — também podem resultar em controle prolongado da infecção.

Implicações para a pesquisa sobre cura
Antes deste relato, apenas seis casos de remissão sustentada haviam sido descritos, todos associados a transplantes de células-tronco em pacientes com cânceres hematológicos. Muitos desses casos envolviam doadores com duas cópias da mutação CCR5Δ32.
O novo caso mostra que mecanismos independentes dessa variante podem levar a resultados semelhantes. Segundo o manuscrito, os achados reforçam a importância de estratégias capazes de reduzir profundamente o reservatório viral, ponto considerado central para o avanço de terapias de cura.
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A cura ainda é rara
Apesar do resultado notável, os autores reforçam que a remissão do HIV continua extremamente rara. Transplantes de células-tronco são procedimentos de alto risco, indicados apenas para casos graves de câncer e sem aplicação como tratamento para pessoas que vivem com HIV.
Mesmo assim, o relato adiciona uma nova peça ao entendimento dos processos envolvidos na remissão e pode orientar pesquisas que buscam alternativas mais seguras e escaláveis no futuro.