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Uma pesquisa publicada na revista Geophysical Research Letters traz à luz uma descoberta intrigante sobre as nuvens da Antártida: elas são notavelmente desprovidas de gelo em regiões cruciais.
Essa peculiaridade atmosférica, observada por cientistas do Instituto Leibniz, na Alemanha, revela que a escassez de partículas formadoras de gelo sobre o Oceano Antártico e o continente gelado pode estar desempenhando um papel inesperado na regulação do clima do Hemisfério Sul, agindo como um escudo reflexivo contra o aquecimento global. No entanto, essa proteção natural corre o risco de ser alterada pelas próprias mudanças climáticas.
Em resumo:
- As nuvens sobre a Antártida possuem uma quantidade surpreendentemente baixa de cristais de gelo, uma anomalia em relação a outras regiões.
- A principal razão é a escassez de partículas nucleadoras de gelo (INPs) na atmosfera local, essenciais para a formação do gelo nas nuvens;
- Essas nuvens, ricas em água líquida super-resfriada, são mais eficientes em refletir a luz solar de volta para o espaço, ajudando a resfriar o Hemisfério Sul;
- Cientistas alertam que o aquecimento global pode alterar essa dinâmica, expondo mais terra e aumentando as fontes de INPs;
- Tal mudança poderia reduzir a capacidade de reflexão das nuvens, intensificando o aquecimento na região e impactando o clima global.

Como as nuvens da Antártida impactam o planeta
Para que os cristais de gelo se formem dentro das nuvens, especialmente em temperaturas que, de outra forma, não seriam frias o suficiente, são necessárias partículas minúsculas na atmosfera. Essas partículas, conhecidas como nucleadoras de gelo, podem ser compostas por poeira mineral, cinzas, aerossóis marinhos ou até proteínas liberadas por microrganismos.
No entanto, o estudo demonstrou que, sobre o Oceano Antártico e ao redor da Antártida – o maior deserto de gelo do mundo – essas partículas são surpreendentemente escassas, conforme a análise de amostras de ar coletadas em estações de pesquisa no continente.

Em um comunicado, Heike Wex, pesquisadora troposférica do Instituto Leibniz, enfatiza a singularidade da pesquisa. “Até onde sabemos, nunca houve uma série temporal tão longa de filtros a partir dos quais os INPs foram determinados no continente antártico”. Ela e sua equipe sugerem que essa baixa abundância de partículas pode ser atribuída à ausência de fontes biológicas eficientes, comuns em outras partes do mundo, incluindo o Ártico durante o verão. As baixas concentrações observadas, mesmo em estações mais ao sul, indicam que o fenômeno pode ser generalizado por todo o continente gelado.
A implicação prática dessa ausência de gelo é profunda. Com menos INPs no ar, mais água nas nuvens permanece em estado líquido, mesmo em temperaturas abaixo de zero. Essas nuvens de água líquida super-resfriada possuem uma capacidade superior de refletir a luz solar de volta para o espaço em comparação com as nuvens de gelo. Dessa forma, elas funcionam como um regulador térmico natural, protegendo o Hemisfério Sul de uma parcela do calor provocado pelas mudanças climáticas.
Essa valiosa proteção oferecida pelas nuvens antárticas, no entanto, pode estar em risco. Silvia Henning, também cientista do Leibniz, alerta para um possível cenário futuro. “A concentração de núcleos de gelo na Antártida pode aumentar devido ao aquecimento global, uma vez que o recuo das geleiras expõe mais terra à vegetação e a biosfera pode se tornar mais ativa”.
Se mais dessas partículas forem liberadas na atmosfera, a capacidade de reflexão das nuvens antárticas poderia ser reduzida, intensificando um ciclo de retroalimentação que aceleraria o aquecimento na região. Portanto, segundo Henning, “determinar o estado atual [dos INPs na Antártida] pode ser útil para avaliar os potenciais impactos de mudanças futuras.”

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A pesquisa ressalta a complexidade dos mecanismos climáticos e a interconexão entre fenômenos atmosféricos aparentemente sutis e o equilíbrio térmico do planeta. A Antártida, com suas nuvens peculiarmente desprovidas de gelo, representa um componente crucial, embora vulnerável, na regulação climática global.
A compreensão e o monitoramento contínuo dessas dinâmicas são essenciais para refinar modelos climáticos e antecipar as consequências do aquecimento global, garantindo que possamos proteger não apenas o continente gelado, mas também a saúde e o bem-estar das populações globais que dependem de um clima equilibrado.