Rota da Seda: cidade submersa é encontrada sob lago no Quirguistão

Expedição arqueológica subaquática no Lago Issyk-Kul revela tragédia que pode ser comparada à história de Pompeia
Por Bruna Barone, editado por Rodrigo Mozelli 09/12/2025 00h30
Mergulhador mostra pedra ligada à cidade submersa
Arqueólogos exploraram quatro seções do lago a uma profundidade de 1 a 4 metros (Imagem: Elizaveta Romashkina)
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Cientistas descobriram vestígios de um cemitério medieval, grandes vasos de cerâmica e partes de uma construção de tijolos cozidos que confirmam a existência de uma antiga cidade no complexo submerso de Toru-Aygyr, um importante ponto da Rota da Seda. A expedição arqueológica subaquática internacional ocorreu nas águas noroeste do Lago Issyk-Kul, no Quirguistão.

“No início do século XV, em consequência de um terremoto devastador, a cidade foi submersa pelas águas do lago. Segundo nossa avaliação, na época do desastre, os moradores já haviam abandonado o assentamento”, explica Valery Kolchenko, pesquisador do Instituto de História, Arqueologia e Etnologia da Academia Nacional de Ciências da República Quirguiz, chefe da expedição do país anfitrião.

“A tragédia pode ser comparada à história de Pompeia, que não é tão conhecida do público em geral. Após o terremoto, a população da região mudou drasticamente e a rica civilização medieval sedentária deixou de existir. Os nômades tomaram seu lugar”, acrescenta. A missão também teve participação de especialistas da Sociedade Geográfica Russa (RGS) e do Instituto de Arqueologia da Academia Russa de Ciências (RAS).

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Época da Rota da Seda começou no século I a.C. e floresceu até a era das Grandes Descobertas Geográficas (Imagem: Denis Davydov)

Escrevendo a história

  • Os arqueólogos exploraram quatro seções do lago a uma profundidade de um a quatro metros;
  • No primeiro local, encontraram construções feitas de tijolos cozidos projetadas para moer grãos em farinha ou fubá;
  • Elementos arquitetônicos indicam que ali existia uma construção social com decoração externa: uma mesquita, um banheiro público ou uma madraça (casa de estudos islâmicos). As amostras já foram enviadas para análise dendrocronológica e datação para determinar a idade de materiais orgânicos;
  • Os cientistas descobriram um segundo sítio arqueológico, uma necrópole muçulmana dos séculos XIII e XIV;
  • Foram encontrados sepultamentos em uma área de 300 por 200 metros, que preservam vestígios de rituais islâmicos tradicionais: os esqueletos estão voltados para o norte, com os rostos voltados para a Qibla, a direção da sagrada Caaba em Meca (Arábia Saudita);
  • Os restos mortais de duas pessoas, um homem e uma mulher, foram recuperados. Um estudo antropológico completo dos esqueletos será realizado.

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Foram encontrados sepultamentos que preservam vestígios de rituais islâmicos tradicionais (Imagem: Ekaterina Lameykina)

Vale lembrar que a época da Rota da Seda começou no século I a.C. e floresceu até a era das Grandes Descobertas Geográficas (séculos XIV e XV). No século X, formou-se o Estado Caracânida na região onde foi realizada a expedição. Era uma dinastia turca.

As pessoas praticavam várias religiões: o paganismo tengrianismo, o budismo e o cristianismo nestoriano. A elite governante frequentemente se convertia ao islamismo durante seu domínio, mas essa religião só se difundiu na Ásia Central no século XIII

“Antes disso, o islamismo era principalmente a religião da nobreza e da população envolvida em atividades econômicas ativas. Isso se deve ao fato de ser necessário prestar juramentos: geralmente havia mais confiança no comércio com correligionários”, disse Maksim Menshikov, chefe da expedição e funcionário do Instituto de Arqueologia da Academia Russa de Ciências. A população nômade continuou a seguir tradições pagãs ou a praticar formas sincréticas complexas de religião, onde o paganismo se entrelaçava com o islamismo.

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Território complexo

O terceiro sítio arqueológico, localizado ao sul do complexo principal, revelou aos pesquisadores achados de cerâmica medieval e um grande khum (vaso) inteiro. Os arqueólogos planejam desenterrá-lo na próxima temporada. Três sepulturas foram encontradas nas proximidades. Os cientistas sugerem que elas pertencem a um cemitério mais antigo, o que indica uma história complexa de desenvolvimento do território.

restos mortais
Restos mortais de duas pessoas, um homem e uma mulher, foram recuperados (Imagem: Ekaterina Lameykina)

“O trecho da Rota da Seda na área do Lago Issyk-Kul estava sob o controle dos Caracânidas”, acrescentou Maksim Menshikov. “Os chineses consideravam esse território uma zona de seus interesses, mas não conseguiam controlá-lo. No entanto, vemos que essa localização é mencionada em fontes chinesas. Isso nos dá esperança de correlacionar materiais históricos com os resultados de nossas escavações arqueológicas. No século XIII, sob a influência da Horda Dourada, o Islã se difundiu na região. Provavelmente, a necrópole que descobrimos no fundo do lago está relacionada a esse período.”

No quarto sítio arqueológico, na parte oeste do complexo, os especialistas examinaram os vestígios de estruturas arredondadas e retangulares e realizaram perfurações subaquáticas. O objetivo era coletar amostras de paredes de barro e solos enterrados. No futuro, isso possibilitará a reconstrução das etapas de desenvolvimento do assentamento e ajudará a preservar o patrimônio subaquático de Issyk-Kul.

Bruna Barone
Colaboração para o Olhar Digital

Bruna Barone é formada em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Atuou como editora, repórter e apresentadora na Rádio BandNews FM por 10 anos. Atualmente, é colaboradora no Olhar Digital.

Rodrigo Mozelli é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP) e, atualmente, é redator do Olhar Digital.