Faíscas em Marte: o que o Perseverance descobriu dentro de redemoinhos de poeira

Imagens e áudios do rover mostram descargas elétricas em redemoinhos de poeira; isso ajuda a explicar muita coisa sobre Marte; entenda
Pedro Spadoni10/12/2025 10h48
Ilustração do rover Perseverance, da NASA, dentro de redemoinho de poeira com raios em Marte
(Imagem: Pedro Spadoni via ChatGPT/Olhar Digital)
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O rover Perseverance, da NASA, registrou pela primeira vez descargas elétricas reais dentro de redemoinhos de poeira em Marte. Isso finalmente confirmou que esses “dust devils” produzem pequenos estalos e micro-arcos elétricos. Era algo previsto por décadas, mas nunca observado diretamente.

As gravações, feitas na cratera Jezero, captam “snaps” durante a passagem dos redemoinhos, revelando que a atmosfera fina do planeta favorece esse tipo de eletrificação. 

Divulgadas pela NASA no começo de dezembro, as imagens confirmam, na prática, o fenômeno descrito num estudo publicado na revista Nature no final de novembro. Ele mudou o entendimento sobre a química, o clima e a possível habitabilidade de Marte.

Faíscas em Marte deixam de ser teoria graças a registro do Perseverance

A eletrificação dos redemoinhos de poeira em Marte sempre esteve no radar de cientistas, mas sem comprovação direta. Antes do Perseverance, havia apenas indícios indiretos (modelos computacionais, simulações em laboratório e hipóteses baseadas no comportamento da poeira marciana).

Faltava o registro inequívoco de que esses redemoinhos, comuns no planeta vermelho, realmente produziam descargas elétricas. Essa lacuna existia porque nenhuma missão anterior tinha levado um microfone capaz de registrar sons da atmosfera marciana.

O Perseverance mudou esse cenário. Nos Sols 215 e 1.296 (como a NASA marca os dias da missão em Marte), o rover registrou momentos raros em que redemoinhos passaram diretamente sobre ele. 

Em ambos os casos, a SuperCam captou estalos claros – snaps secos, seguidos de pequenas variações acústicas – enquanto sensores eletromagnéticos apontavam perturbações consistentes com descargas elétricas. 

O áudio revela a aproximação do redemoinho, o impacto da parede de poeira e, no miolo, a sequência de faíscas microscópicas. É a primeira vez que ouvimos e detectamos uma faísca em outro planeta. Confira abaixo:

O catálogo completo do Perseverance já reúne 55 eventos elétricos. Desses, 16 ocorreram durante passagens diretas de redemoinhos de poeira. Esses dados indicam que o fenômeno não é raro – ele simplesmente nunca havia sido captado com sensibilidade suficiente. 

Outro ponto importante: a maioria das descargas registradas pelo rover apareceu nos momentos de ventos mais fortes. É quando o redemoinho fica mais turbulento, fazendo as partículas de poeira colidirem com mais intensidade. 

Por que? E o que isso tem a ver com assunto? Bem, essas colisões alimentam o efeito triboelétrico, que acumula cargas opostas nos grãos. Como a atmosfera de Marte é muito fina, qualquer acúmulo pequeno já é suficiente para sua carga “saltar” e gerar faísca.

Além disso, os arcos registrados têm tamanho estimado de poucos centímetros – bem longe dos raios que vemos na Terra. Mas isso não diminui a importância da descoberta. 

Pela primeira vez, cientistas têm evidências diretas de como a poeira marciana se comporta eletricamente. É um elemento crucial para entender clima, tempestades e até riscos operacionais para missões.

No vídeo abaixo, você confere um resumo desta história (em inglês), publicado pelo Jet Propulsion Laboratory (JPL), da NASA:

O que as faíscas observadas pelo rover revelam sobre clima, química e (possível) vida em Marte

As faíscas registradas pelo Perseverance são pequenas, mas desencadeiam processos capazes de alterar profundamente a química da superfície e da atmosfera marciana. Em ambientes com muita poeira (praticamente o planeta inteiro), a eletrificação pode servir como gatilho para reações que formam compostos altamente oxidantes, como cloratos e percloratos

Ok, mas e daí? Esses compostos são agressivos a moléculas orgânicas. Por isso, destroem rapidamente material que, em outras condições, poderia ser preservado por milhares ou milhões de anos.

Essa dinâmica química ajuda a explicar um dos mistérios recentes de Marte: o desaparecimento rápido do metano, detectado esporadicamente por instrumentos em órbita e em solo. Modelos atmosféricos sugeriam que o metano deveria persistir por muito mais tempo, mas as medições contradiziam isso. 

Ilustração de redemoinho de poeira com raios e faíscas em Marte
Redemoinhos de poeira em Marte em realmente têm descargas elétricas dentro, segundo imagens capturadas por rover da NASA (Imagem: Pedro Spadoni via ChatGPT/Olhar Digital)

Agora, as descargas elétricas em redemoinhos de poeira observadas pelo Perseverance oferecem uma peça importante desse quebra-cabeça: elas podem quebrar moléculas mais facilmente do que se imaginava.

No nível climático, o fenômeno adiciona um componente elétrico ao transporte de poeira – um dos motores fundamentais do clima marciano. Poeira eletrificada se comporta de maneira diferente: pode se agrupar, se repelir ou atingir alturas maiores, influenciando a formação e evolução de tempestades regionais. E, em casos extremos, tempestades globais. 

Entender esse comportamento é essencial para prever condições atmosféricas e garantir segurança de equipamentos e futuras tripulações com destino à Marte.

Há também implicações diretas para engenharia de missões. Nenhum dano por descarga foi registrado em décadas de robôs operando na superfície. Mas a descoberta sugere que circuitos, sensores e superfícies metálicas devem considerar a eletrificação como variável de risco.

Leia mais:

Para cientistas, as observações do rover da NASA abre uma fronteira: entender como a eletricidade moldou Marte ao longo de bilhões de anos. 

Mesmo pequenas faíscas, repetidas ao longo de eras geológicas, podem ter influenciado a composição química do solo, a preservação de sinais biológicos e a própria trajetória da habitabilidade no planeta vermelho.

(Essa matéria também usou informações da NASA.)

Pedro Spadoni
Redator(a)

Pedro Spadoni é jornalista formado pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Já escreveu para sites, revistas e até um jornal. No Olhar Digital, escreve sobre (quase) tudo.

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