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Uma ave recém-identificada por pesquisadores brasileiros na Serra do Divisor, no Acre, acendeu um sinal de alerta entre cientistas da área de conservação. O tinamu-de-máscara-ardósia (Tinamus resonans) apresenta um comportamento dócil e ausência de medo de humanos, um traço que o aproxima do histórico do dodô, ave extinta há cerca de 350 anos nas Ilhas Maurício.
Assim como a espécie que desapareceu no século XVII, o tinamu vive isolado, ocupa um habitat extremamente restrito e enfrenta pressões ambientais que podem comprometer sua sobrevivência.
Com uma população estimada em cerca de 2 mil indivíduos, o tinamu foi descrito oficialmente na revista Zootaxa. É o primeiro tinamu florestal pequeno descoberto em 75 anos, reforçando a relevância científica do achado — e o nível de vulnerabilidade da espécie.
Habitat limitado: ave só existe no topo da Serra do Divisor
Segundo os pesquisadores, o tinamu — também chamado de sururina-da-serra — vive apenas entre 300 e 435 metros de altitude, em uma área isolada no topo da Serra do Divisor, em Mâncio Lima, no extremo oeste do Acre. Entre os seis tinamus florestais pequenos registrados na região, somente o novo apresenta ocorrência exclusiva acima dos 300 metros.

A equipe passou três anos tentando observar a ave após registrar seu canto pela primeira vez em outubro de 2021. Entre expedições realizadas de 2024 a 2025, o comportamento inesperado foi confirmado: o tinamu caminhava tranquilamente pelo sub-bosque, sem reagir à presença humana, chegando até a se aproximar dos pesquisadores.
Esse comportamento dócil, somado a pressões como caça, alterações ambientais e risco de biopirataria, torna o tinamu vulnerável. Segundo o pesquisador Ricardo Plácido, o fato de não enxergar humanos como ameaça amplia o risco futuro da espécie.
O nome científico Tinamus resonans faz referência ao canto forte e ecoado usado para identificar a ave antes da observação direta. Já o nome popular alude tanto ao canto quanto à região do parque ambiental onde vive.
Semelhança preocupante com o dodô
Assim como o dodô, que ocupava um território limitado nas Ilhas Maurício, o tinamu enfrenta o desafio de viver em uma área sem possibilidade de expansão. Seu ambiente natural está no limite de altitude disponível; se fatores como temperatura, regime de chuvas ou vegetação se alterarem, não haverá locais mais altos para onde a ave possa migrar.
Entre os riscos apontados pelos cientistas, destacam-se:
- aumento da temperatura global;
- mudanças no regime de chuvas;
- alteração da vegetação no topo da serra;
- pressão humana e biopirataria;
- comportamento dócil, semelhante ao do dodô.

Modelagens ambientais reforçam que áreas elevadas são especialmente vulneráveis ao aquecimento global. Caso a vegetação local decline, o modo de vida da espécie — que depende do sub-bosque sombreado da floresta — pode ser profundamente afetado.
Reconhecimento pode evitar repetição da história do dodô
O grupo de pesquisadores que descreveu a nova ave trabalha para que o tinamu-de-máscara-ardósia seja reconhecido oficialmente como espécie ameaçada, medida essencial para implementar ações de proteção específicas. O destino do dodô serve como um aviso contundente: espécies isoladas, com comportamento dócil e habitat limitado, podem desaparecer rapidamente quando expostas a mudanças ambientais e à pressão humana.
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Para especialistas, ignorar os sinais pode levar o tinamu ao mesmo caminho da ave extinta há três séculos. A região onde vive, pouco estudada e composta por micro-habitats muito específicos, exige monitoramento constante e políticas de conservação que garantam sua sobrevivência.