Chumbo persistente e acidificação expõem impacto humano no Oceano Ártico

O Ártico ainda contém chumbo proveniente de aditivos na gasolina, mesmo com esse composto proibido há cerca de 30 anos
Flavia Correia11/12/2025 17h25
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Como o Oceano Ártico está se reagindo diante das mudanças climáticas e da poluição ambiental? Crédito: Imagem gerada por IA/Gemini
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Uma equipe internacional ligada ao projeto europeu ECOTIP – sigla para “Cascatas de Pontos de Inflexão Ecológicos nos Mares do Ártico” – analisou de forma inédita o mar ao largo da Groenlândia para entender como as mudanças climáticas e a poluição causadas pelo ser humano estão alterando a química do Oceano Ártico

Participaram do trabalho cientistas do Helmholtz-Zentrum Hereon, na Alemanha, e do Instituto de Oceanologia da Academia Polonesa de Ciências (IOPAN). As amostras, coletadas em mais de 30 pontos e em diferentes profundidades, foram majoritariamente examinadas nos laboratórios alemães.

O Ártico está aquecendo mais rápido que o restante da Terra e, portanto, é particularmente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas. Crédito: Claudia Elena Schmidt, Helmholtz-Zentrum Hereon

Em resumo:

  • Chumbo ainda é detectado no mar da Groenlândia, décadas após a proibição na gasolina;
  • Há uma tendência consistente de acidificação nas águas do Ártico;
  • Amostras foram coletadas da superfície a grandes profundidades em mais de 30 locais;
  • Poluentes chegam por correntes de ar e são redistribuídos por correntes oceânicas;
  • Dados preenchem lacunas desde os anos 1990 na medição de metais e outras substâncias.

Publicado na revista Biogeosciences, o estudo mostra a persistência de chumbo proveniente de combustíveis antigos e uma tendência clara de acidificação das águas – sinais de que a influência humana já remodela a base química desse ecossistema.

Painel (A) mostra a batimetria e as correntes oceânicas (linhas coloridas com setas) na Baía de Baffin e no Estreito de Davis, usando dados GEBCO 2023. Painel (B) é um mapa da área de estudo durante a expedição DANA 6/21, destacando com pontos vermelhos os locais de amostragem distribuídos em cinco transectos (1-5). Crédito: Schmidt, C. E., Zimmermann, T., Koziorowska, K., Pröfrock, D. & Thomas, H.

Oceano Ártico em transformação: o que os dados revelam

O Ártico aquece mais rápido que o restante do planeta, e esse ritmo acelerado muda a forma como nutrientes, dióxido de carbono (CO₂) e oligoelementos (como ferro, zinco, cobre e iodo) circulam e interagem na água.

Para mapear esse quadro, a expedição organizada pelo Instituto Nacional de Recursos Aquáticos da Universidade Técnica da Dinamarca (DTU Aqua), a bordo do navio de pesquisa Dana, percorreu a costa oeste da Groenlândia e coletou amostras da superfície até centenas de metros de profundidade. Nos laboratórios de Ciências dos Ciclos do Carbono do Instituto Hereon, os pesquisadores usaram métodos capazes de identificar concentrações ínfimas de diversas substâncias.

Um resultado chamou atenção: a presença de chumbo, um legado da época em que o aditivo era misturado à gasolina e liberado em grandes quantidades na atmosfera. Transportado por correntes de ar a partir de áreas densamente povoadas, o metal pesado alcançou o Ártico e, como mostram os novos dados, permanece detectável. As concentrações mais elevadas aparecem no sul da Groenlândia, região mais próxima da América do Norte e da Europa, mas o poluente não fica restrito a essa faixa.

“Descobrimos que o chumbo também aparece mais ao norte”, disse Claudia Elena Schmidt, cientista do Hereon e autora principal do estudo, ao site Phys. “Ele chega lá por meio de correntes oceânicas vindas do sul. Este exemplo ilustra claramente quanto tempo esses metais pesados permanecem na natureza.” A persistência do chumbo, mesmo após cerca de três décadas de proibição em combustíveis, funciona como um alerta sobre o destino de outras substâncias problemáticas que hoje entram no ambiente.

Gráfico mostra a Concentração de gelo marinho (a) em julho de 2021. Os dados de Salinidade da superfície do mar (b) e Temperatura potencial (c) foram medidos usando o sensor CTD, complementando a observação das condições oceanográficas na área de estudo. Crédito: Schmidt, C. E., Zimmermann, T., Koziorowska, K., Pröfrock, D. & Thomas, H.

O CO₂ emitido por atividades humanas é outro protagonista desta história. Ao se dissolver na água do mar, parte do gás forma ácido carbônico, processo que torna a água mais ácida. O resultado é uma reação em cadeia que reduz a disponibilidade de carbonato – a matéria-prima que organismos como mexilhões e caracóis utilizam para construir conchas e carapaças. Com menos carbonato, esses animais precisam gastar mais energia para manter suas estruturas, o que pode afetar crescimento e reprodução. Os dados compilados pela equipe indicam uma tendência nítida de acidificação no Ártico, reforçando preocupações sobre a resiliência da base da cadeia alimentar marinha.

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É necessário monitoramento contínuo da química marinha

O estudo também ajuda a atualizar um panorama que estava defasado. “Isso nos permitiu preencher lacunas em nosso conhecimento, porque muitas substâncias não eram medidas ali há décadas”, destaca Schmidt. “Metais, por exemplo, foram estudados em detalhes pela última vez na década de 1990.” Segundo o especialista, a retomada sistemática dessas medições é crucial para antecipar impactos nos serviços ecossistêmicos, como a pesca e a segurança alimentar de comunidades que dependem do mar.

Além do chumbo e do CO₂, a pesquisa chama atenção para o excesso de nutrientes que chegam ao oceano por meio dos rios, em grande parte associados à agricultura, e para novas substâncias liberadas pela indústria. Mesmo em baixas concentrações, a combinação desses fatores pode alterar processos naturais e favorecer desequilíbrios na teia de vida marinha – um efeito dominó que, no Ártico, tende a se intensificar devido ao aquecimento acelerado da região.

Políticas de controle de emissões, gestão de nutrientes e monitoramento contínuo da química marinha são medidas que ajudam a proteger populações de organismos calcificadores e, por extensão, a base de cadeias produtivas marinhas. Proteger o Oceano Ártico significa cuidar de ecossistemas interligados e, no fim, zelar por saúde, alimentação e bem-estar em escala global.

Flavia Correia
Redator(a)

Jornalista formada pela Unitau (Taubaté-SP), com Especialização em Gramática. Já foi assessora parlamentar, agente de licitações e freelancer da revista Veja e do antigo site OiLondres, na Inglaterra.