Cientistas identificam gatilho genético que torna o câncer mais agressivo

Pesquisa identifica enzima que provoca cromotripsia, fenômeno que acelera a evolução do câncer e dificulta o tratamento.
Maurício Thomaz15/12/2025 12h42
Estudo revela enzima que inicia caos cromossômico ligado ao câncer
Estudo revela enzima que inicia caos cromossômico ligado ao câncer (Imagem: 3dMediSphere / Shutterstock)
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Cientistas identificaram um possível gatilho para um dos processos mais caóticos e preocupantes ligados ao câncer: a cromotripsia, um evento em que cromossomos inteiros se fragmentam de forma abrupta e são rearranjados de maneira desordenada. A descoberta, publicada na revista Science, ajuda a explicar por que alguns tumores evoluem muito mais rápido, tornam-se agressivos e resistem com mais facilidade aos tratamentos disponíveis.

Há anos, pesquisadores observam que certos tipos de câncer não seguem o padrão clássico de evolução gradual. Em vez de acumular mutações ao longo do tempo, esses tumores parecem “saltar etapas”, sofrendo transformações profundas em curtos intervalos. O novo estudo, liderado por cientistas da Universidade da Califórnia em San Diego, lança luz sobre o mecanismo por trás desse comportamento acelerado.

O que é a cromotripsia e por que ela preocupa

Em células saudáveis, alterações no DNA costumam ocorrer de forma lenta e progressiva. Já na cromotripsia, o cenário é radicalmente diferente: um cromossomo pode se quebrar em dezenas ou até centenas de fragmentos de uma só vez, que depois são reunidos de maneira aleatória. O resultado é um verdadeiro caos genético.

Pesquisa identificou enzima que provoca cromotripsia, fenômeno que acelera a evolução do câncer e dificulta o tratamento
Pesquisa identificou enzima que provoca cromotripsia, fenômeno que acelera a evolução do câncer e dificulta o tratamento (Imagem: PeopleImages / Shutterstock)

Embora seja rara em células normais, a cromotripsia é surpreendentemente comum em tumores. Estimativas indicam que cerca de um em cada quatro cânceres humanos apresenta sinais desse fenômeno. Em alguns tipos específicos, como o osteossarcoma — um câncer ósseo altamente agressivo —, praticamente todos os casos analisados exibem esse padrão de fragmentação cromossômica.

Esse processo confere uma vantagem evolutiva às células cancerígenas, que passam a ter inúmeras combinações genéticas em pouco tempo, aumentando as chances de escapar de medicamentos e continuar se multiplicando.

A enzima N4BP2 como gatilho do caos genético em quem tem câncer

Apesar de a cromotripsia ser conhecida há mais de uma década, o início do processo permanecia um mistério. Sabia-se que ela estava ligada a falhas na divisão celular, quando um cromossomo acaba isolado dentro de um micronúcleo — uma estrutura frágil e pouco protegida. Quando esse micronúcleo se rompe, o DNA fica exposto, mas não se sabia qual agente dava início à destruição.

DNA
A enzima N4BP2 causa um gatilho ao caos genético em quem tem câncer (Imagem: ismagilov/iStock)

Ao analisar todas as nucleases humanas conhecidas, os pesquisadores identificaram uma única enzima capaz de entrar nesses micronúcleos e causar danos extensos ao DNA: a N4BP2. Experimentos mostraram que a remoção dessa enzima em células de câncer cerebral reduziu drasticamente a fragmentação cromossômica. Já sua introdução forçada em células saudáveis levou à quebra de cromossomos intactos.

A análise de mais de 10 mil genomas de diferentes tipos de câncer revelou ainda que tumores com altos níveis de N4BP2 apresentavam mais sinais de cromotripsia e maiores quantidades de DNA extracromossômico (ecDNA), estruturas associadas a tumores mais agressivos e difíceis de tratar.

Em resumo, os principais efeitos desse processo incluem:

  • fragmentação abrupta de cromossomos inteiros;
  • rearranjos genéticos desordenados;
  • surgimento de ecDNA com genes que aceleram o crescimento tumoral;
  • maior capacidade de adaptação e resistência aos tratamentos.
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Tumores com altos níveis de N4BP2 apresentavam mais sinais de cromotripsia (Imagem: CIPhotos / iStock)

Ao apontar a N4BP2 como o gatilho inicial da cromotripsia, o estudo abre caminho para novas estratégias terapêuticas. A proposta não é necessariamente eliminar o câncer de imediato, mas reduzir sua capacidade de evoluir rapidamente, ganhar resistência e reaparecer após o tratamento. Para os pesquisadores, compreender o momento em que o desastre genético começa pode mudar a forma como a ciência encara os cânceres mais agressivos.

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Maurício Thomaz
Colaboração para o Olhar Digital

Jornalista com mais de 13 anos de experiência, tenho faro pela audiência e verdadeira paixão em buscar alternativas mais assertivas para a entrega do conteúdo ao usuário.