Há um enigma intrigante no Universo jovem: o ponto frio. Essa anomalia na radiação cósmica de fundo (CMB) é grande e extremamente fria, e ninguém sabe exatamente por quê. Mas, desde os anos 2000, todos concordam que vale a pena investigar.

A CMB é a radiação remanescente do Big Bang, emitida quando o Universo tinha apenas 380 mil anos. Naquela época, o cosmos era um milhão de vezes menor do que é hoje e tinha uma temperatura superior a 9,7 mil graus Celsius, fazendo com que todo o gás fosse plasma. À medida que o Universo se expandiu e esfriou, o plasma se tornou gás neutro, liberando uma enxurrada de luz branca-quente. Bilhões de anos depois, essa luz esfriou para cerca menos 270ºC, caindo na banda de micro-ondas do espectro eletromagnético.

publicidade

Quase perfeitamente uniforme, a CMB apresenta pequenas flutuações de temperatura de aproximadamente uma parte por milhão. Essas imperfeições, que aparecem como manchas de vários tamanhos e formas, são extremamente importantes para os cientistas. Não se pode prever exatamente onde essas flutuações ocorrerão, pois a luz que vemos vem de uma parte do Universo agora inacessível à nossa observação direta.

Para entender a CMB, precisamos confiar em estatísticas. Não sabemos exatamente onde as manchas aparecerão, mas podemos usar a física para determinar o tamanho médio e as variações de temperatura dessas manchas.

publicidade

Radiação remanescente do Big Bang faz sentido na nossa compreensão do Universo

A maioria das características da CMB faz sentido dentro da nossa compreensão do Universo. Temos construído telescópios e satélites cada vez mais sofisticados para obter uma visão melhor da CMB, e isso tem sido um grande sucesso científico. Exceto pelo ponto frio.

Existem muitos pontos frios na CMB, mas um deles – “o” ponto frio – é especialmente notável. Ele se destaca visualmente em mapas da CMB, aparecendo na direção da constelação de Eridanus. Esse ponto frio é anormalmente frio. Dependendo de como definimos suas bordas, ele é cerca de 70 microkelvins mais frio que a média, comparado aos 18 microkelvins dos pontos frios comuns. Nas partes mais profundas, é 140 milikelvins mais frio.

publicidade
Quando exibido em uma esfera celeste, o ponto frio CMB pode ser visto como correspondendo ao supervazio de Eridanus, mas toda a extensão e profundidade do vazio está apenas começando a ser quantificada hoje. É plausível que a razão pela qual esta mancha é tão fria é devido à influência gravitacional do supervazio que encolhe ao longo do tempo. (Crédito: Piquito veloz/Celestia)

Além disso, o ponto frio é grande – cerca de 5º de diâmetro, o que equivale a 10 luas cheias alinhadas. Em comparação, a mancha média na CMB tem menos de 1º de diâmetro. Ou seja, não é apenas estranhamente frio, mas também estranhamente grande.

Os astrônomos identificaram o ponto frio pela primeira vez com a sonda Wilkinson Microwave Anisotropy, da NASA, no início dos anos 2000. O satélite Planck, da Agência Espacial Europeia (ESA), confirmou sua existência, eliminando a possibilidade de um erro instrumental ou interferência. É uma característica real.

publicidade

Isso nos leva a uma pergunta crucial: devemos nos importar com o ponto frio?

Leia mais:

A resposta, em geral, é sim. Baseado em nossa compreensão da física do Universo primitivo, o ponto frio não deveria ser tão grande e tão frio apenas por acaso. A probabilidade de ele ser uma anomalia estatística é inferior a 1%, o que sugere que merece mais atenção.

Ponto frio seria resultado de vazio cósmico

Conforme destaca o site Big Think, a explicação mais aceita é que o ponto frio resulta de um vazio cósmico gigantesco entre nós e a CMB naquela direção. Vazios cósmicos são regiões de quase nada, mas influenciam a luz da CMB devido à sua evolução ao longo do tempo. Quando a luz da CMB entra em um vazio, ela ganha um pouco de energia ao fazer a transição de uma região de alta densidade para uma de baixa densidade. 

Em um Universo estático, a luz perderia essa energia ao sair do vazio. Mas, como os vazios estão se expandindo, a luz perde mais energia ao sair, criando o efeito Sachs-Wolfe integrado.

Um vazio gigante poderia explicar o ponto frio, mas há um problema: não temos certeza se existe um vazio dessa magnitude naquela direção. Os mapas e levantamentos de galáxias nessa área são incompletos, deixando espaço para debate.

Observações dos satélites COBE, WMAP e Planck detectaram o Fundo Cósmico de Micro-ondas, confirmando que não era um fenômeno atmosférico e que tinha uma origem cósmica. Crédito: NASA/COBE/DMR; Equipe científica da NASA/WMAP; A ESA e a colaboração Planck

Mesmo se houvesse um supervazio, não está claro se ele seria suficiente para criar o ponto frio observado. Isso abre espaço para teorias mais exóticas, como a ideia de que o ponto frio é um ponto de interseção entre nosso Universo e um Universo vizinho. Contudo, essa hipótese também não explica todas as propriedades do ponto frio.

O ponto frio invalida o Big Bang? Definitivamente não. Mas, merece investigação. Se nós encontraremos uma resposta conclusiva, não sabemos. Talvez, não. Por que a ciência é assim: cheia de mistérios e desafios. 

Alguns enigmas se resolvem com o tempo, enquanto outros persistem. E isso está bem, pois nem tudo no Universo é perfeito, nem mesmo nossas descrições a respeito dele.