A política restritiva que China impõe sobre a Internet está sendo ativamente copiada em todo o mundo, de acordo com um novo relatório da Freedom House, instituto de pesquisas sem fins lucrativos, financiado principalmente pelo governo dos EUA. O relatório diz que o “autoritarismo digital” da China poderia ameaçar democracias em outros países.

Este é o quarto ano consecutivo em que a Freedom House classificou a China como país que mais ameaça a liberdade na Internet. Ao mesmo tempo que isso acontece, empresas como Apple, Microsoft e Google continuam a aumentar suas parcerias com empresas chinesas para a expansão de seus negócios.

Ao não se opor diretamente às políticas de censura da China e continuar a abraçar o país, as empresas de tecnologia dos EUA estão legitimando essa “versão” de internet que restringe o acesso à informações que contrariem os interesses do Partido Comunista chinês, que governa a região, argumenta a Freedom House.

Outros países também estão aceitando as políticas restritivas da China

Além do Vale do silício, os relacionamentos tecnológicos da China se estendem por toda parte. Uganda, Tanzânia e Vietnã consultaram a China sobre medidas de segurança cibernética. O país também fornece equipamentos de internet e sistemas de inteligência artificial para várias outras nações. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Lu Kang, negou as alegações do relatório à Reuters e as chamou de “não-profissionais e irresponsáveis”.

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A China também exerce sua influência realizando conferências sobre internet durante todo o ano, com a participação de representantes de 36 países do Ocidente, do sudeste da Ásia e do Oriente Médio. Essas conferências tiveram a participação de grandes executivos de empresas de tecnologia, incluindo o CEO do Google, Sundar Pichai, e o CEO da Apple, Tim Cook . Em um desses eventos, a China prometeu desenvolver um “plano para maior abertura digital”, nas palavras de Cook na época. Mas, como demonstrado pelo relatório da Freedom House, isso pode não ser tão simples.

Ao fazer negócios na China, as empresas de tecnologia dos EUA devem cumprir as regras locais – ou sair, como o Google fez em 2010. Sarah Cook, analista sênior de pesquisa da Freedom House para a Ásia Oriental, diz que respeitar a regulamentação local é um retrocesso. “Em vez de desenvolver produtos feitos sob medida para cumprir as regras de censura da China, acreditamos que os recursos e a engenhosidade das empresas de tecnologia seriam mais bem aproveitados para ajudar os usuários a ultrapassarem o “grande firewall” (num trocadilho entre a grande muralha e o dispositivo que controla acessos a uma rede)  e assim terem acesso à versão sem censura de seus produtos”, diz ela.

Mas a maioria das empresas não está fazendo isso. Em agosto deste ano, a Apple retirou 25.000 aplicativos da versão chinesa daApp Store, alegando que eles eram “ilegais” de acordo com a lei local. Em 2017, a mesma Apple removeu aplicativos de VPN que as pessoas usaram para evitar a censura local. Quando a companhia lançou a versão Product RED do iPhone 7 e 7 Plus na China, removeu qualquer vestígio da marca Product RED, projetada para apoiar instituições de caridade relacionadas à AIDS, o que alguns críticos dizem ter sido uma resposta às políticas anti-LGBT da China.

Já o LinkedIn impede que usuários chineses acessem perfis que tendem a falar sobre política e postagens de pessoas que estão fora do país. O mecanismo de busca Bing, da Microsoft, ainda filtra os resultados de pesquisa no idioma chinês quase uma década depois do jornal The New York Times ter relatado isso pela primeira vez.

“Empresas de tecnologia norte-americanas e internacionais estão entre a cruz e a espada”, diz Cook. “Como elas competem por lucros e participação de mercado, precisam lidar sempre com um impasse: de um lado, ter que cumprir as regras de demandas políticas que emanam de Pequim e, por outro lado, pensar em como atender valores como liberdade de expressão e privacidade do usuário”.

Aceitar as imposições do governo chinês não garante sucesso nos negócios

E mesmo seguindo as regras de censura  chinesa,empresas acabam pagando um alto preço. Porque a proibição pode abranger um negócio direto. Foi o caso da empresa Tencent, que em 2016 era a empresa mais valiosa da China. Em agosto de 2018, Pequim decidiu limitar novas licenças para jogos, impedindo a Tencent e outras empresas de games rivais de lançarem novos produtos. Analistas colocaram as perdas da Tencent em até US$ 1,5 bilhão, de acordo com o The Wall Street Journal.

As regras já estão afetando as empresas americanas. Em uma teleconferência na quinta-feira passada , Tim Cook disse que, com a proibição de novos jogos pelo governo chinês, “as coisas não estão se movendo como antes na App Store no país no que se refere à receitas”. E, seguindo as mais recentes leis chinesas sobre localização de dados, Apple, Evernote e Airbnb tiveram que transferir dados de usuários para servidores supervisionados por empresas locais, muitas vezes com ligações diretas com o governo, e assim, correndo o risco de violações de privacidade do usuário.

Como as empresas norte-americanas trabalham para alcançar os quase 1 bilhão de usuários de internet da China, a promessa de lucros parece se sobrepor a diminuição da liberdade online que poderia ajudar a acelerar seus negócios.

Centenas de serviços de internet dos EUA presentes na China já estão bloqueados. E os que permanecem disponíveis concordaram completamente com as regras do governo. Embora seja possível que as empresas norte-americanas possam crescer na China sem comprometer seus valores, a experiência de muitas delas está provando o quanto isso pode ser difícil. Ou impossível.

fonte: The Verge