Uma análise feita pelo jornal americano The Washington Post encontrou mais de 1.500 reclamações sobre abordagens sexuais indesejadas em aplicativos de mensagens populares na App Store da Apple. A situação entra em total contraste com o que a empresa comercializa, sempre destacando sua loja como um “lugar seguro e confiável“.

As denúncias sobre plataformas populares que conectam estranhos em conversas em vídeo, conhecidas como “aplicativos de bate-papo aleatórios”, servem como pedidos virtuais de ajuda. Uma resenha de setembro do aplicativo Monkey diz: “Um homem que está com a cabeça doente e nojenta decidiu mostrar algumas coisas que não deveriam ter sido mostradas”. No mês passado, outra alertou: “Predadores estão por todo o site”.

O jornal utilizou um algoritmo de aprendizado de máquina para identificar as avaliações da App Store que contêm relatórios de conteúdo sexual indesejado, racismo e bullying. Com isso, analisou mais de 130 mil avaliações de seis aplicativos de bate-papo aleatórios. Todos, exceto um, foram classificados entre os 100 melhores nas redes sociais pela Apple no início deste mês. O Post inspecionou manualmente as mais de 1.500 críticas que mencionavam assédio sexual.

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Cerca de 2% de todas as avaliações do aplicativo Monkey, classificado como o 10° mais popular na categoria de redes sociais da Apple no início de novembro, continham relatos de assédio sexual, segundo a investigação. Apesar disso, o app foi aprovado para usuários a partir de 12 anos. Os outros aplicativos incluídos na pesquisa foram Yubo, ChatLive, Chat for Strangers, Skout e Holla. Pelo menos 19% das avaliações do ChatLive mencionaram assédio.

A Apple, que alega em seu site que “analisa cuidadosamente todos os aplicativos”, de fato se distancia de seus concorrentes que exercem menos controle. Contudo, a presença de conteúdo sexual indesejado envolvendo menores levanta questões sobre se a Apple e a proteção de seus clientes à medida que a plataforma cresce. 

A empresa diz que analisa 100 mil aplicativos por semana, usando tanto software quanto humanos. Após consultas do jornal, a classificação do Monkey foi alterada para 17 anos ou mais, mas os aplicativos examinados pelo The Post estão disponíveis na App Store, inclusive entre os mais populares. De acordo com um ex-executivo da Apple, a prática tem sido não monitorar as opiniões dos usuários.

Como apenas uma pequena parcela dos usuários escreve resenha nos aplicativos, o que é visível na App Store pode representar um número muito maior de casos de assédio. Muitos dos revisores alegam ter menos de 18 anos, ainda que suas idades não tenham sido identificadas pela pesquisa.

Uma das críticas partiu de Katie Brandner, mãe de três filhos em Nova Orleans. Brandner confiscou o celular de sua filha de 14 anos, espernado encontrar mensagens da menina com suas amigas, mas o que viu foi centenas de mensagens de homens mais velhos no aplicativo Yubo, muitos dos quais enviaram fotos sexualmente explícitas, pressionando a jovem a retribuir.

Ela reclamou com a Yubo, uma pequena empresa de 18 pessoas sediada em Paris, cujo app é o 22° mais popular da App Store, e postou uma revisão alertando outros pais sobre o perigo. No entanto, não recebeu respostas. O diretor de operações da Yubo considerou a experiência de Brandner inaceitável e disse que a companhia agora responderá às análises da loja. Nos últimos seis meses, a empresa removeu 20 mil perfis de usuários com menos de 13 anos da plataforma.Reprodução

O porta-voz da Skout disse em comunicado que menores não são permitidos no aplicativo. O ChatLive, o Chat for Strangers e o Holla Group, dono da Monkey, não responderam os pedidos de comentário feitos pelo Washington Post.

Aplicativos de bate-papo aleatório são projetados para conectar pessoas que podem não ter nada em comum. Com um toque, duas pessoas são correspondidas em uma vídeo chamada. Ao desligar, são correspondidas com um novo usuário e assim por diante. Para muitos, o principal objetivo é encontrar uma conexão romântica, mas os mais jovens os veem como uma forma de combater a solidão ou passar o tempo.

Monkey, Holla, Chat for Strangers e ChatLive utilizam um sistema de roleta, onde os usuários são conectados aleatoriamente. Yubo e Skout conectam pessoas com estranhos, mas oferecem mais controle.

Com exceção do ChatLive, todos os aplicativos citados estão presentes também na Google Play Store, loja do sistema Android, onde também receberam os mesmos tipos de avaliação (como constatado pela redação do Olhar Digital). No entanto, o Android se considera uma plataforma mais aberta, permitindo a instalação de aplicativos de fora da Google Play Store, algo não permitido pela Apple. O porta-voz do Google se recusou a comentar.

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Muitos desses aplicativos têm restrições de idade de 17 anos ou mais, mas isso não impede o acesso de crianças. Um iPhone configurado com o perfil de uma criança de 9 anos conseguiu fazer o download desses apps sem restrição, segundo o Post. Depois do login, a moderação cai para o aplicativo. O Skout tem 350 pessoas dedicadas à segurança e moderação. A Yubo disse que verifica os textos enviados pelo app para remover palavras-chave comumente usadas em conversas impróprias, além de proibir nudez em transmissões ao vivo.

Alguns grupos de vigilância dizem que os pais estão reclamando com a Apple sobre esses aplicativos e sua propensão a conectar predadores sexuais a vítimas menores de idade. As forças-tarefa da polícia alertaram pais e professores sobre os apps em apresentações em escolas de todo o território dos EUA.

Uma vez nos aplicativos de bate-papo, os usuários, especialmente do sexo feminino, geralmente encontram algum comportamento sexual. Segundo entrevistas com usuários e especialistas, uma das interações mais comuns é a de homens que aparecem se masturbando na tela. Essas pessoas dizem também que é comum os homens tentarem convencer as mulheres a se exporem durante a conversa. O Chat for Strangers e o ChatLive permitem que usuários paguem pelo acesso especial a mulheres. A Apple coleta uma parte dessa receita.

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O Washington Post encontrou vídeos online mostrando garotas usando esses aplicativos sendo surpreendidas por homens adultos realizando atos sexuais. Gravações dessas interações apareceram em sites de pornografia.

Além do assédio sexual, a investigação encontrou também queixas sobre racismo e bullying. Usuários negros relatam ter encontrado apelidos raciais quando conectados a estranhos, e muitos clientes de Monkey, Holla e Yubo reclamaram que foram ridicularizados por diversão.

A solução da Monkey para a exigência da Apple de que os apps ofereçam sinalização de conteúdo impróprio gerou efeitos adversos. No aplicativo, usuários sinalizados são isolados dos outros e “rebaixados” para uma segunda categoria, onde podem se comunicar com outras pessoas banidas. Enquanto alguns são banidos corretamente, outros dizem que isso aconteceu simplesmente porque uma pessoa do outro lado não queria mais falar com eles. Limitados aos contatos do segundo escalão, esses usuários relatam ter correspondência quase exclusivamente com homens que praticam atos sexuais.

Via: The Washington Post