Se você está achando o ano de 2020 complicado, imagine ter vivido no fim do período devoniano, 359 milhões de anos atrás. Não fazia nem 12 milhões de anos que tinha rolado uma extinção em massa, quando erupções vulcânicas mataram maioria dos corais e muitas criaturas marinhas sem casca. O clima estava uma loucura, variando entre congelamentos e efeito estufa. Peixes saíam da água e samambaias avançavam em terra. Aí aconteceu outra vez.

Cerca de 19% de todas as famílias e 50% de todos os gêneros foram varridos do planeta ao fim do devoniano, e os pesquisadores tinham muitas teorias para tentar explicar como e porque isso aconteceu. A resposta finalmente veio através de esporos de plantas preservados em antigos sedimentos de lagos do leste da Groenlândia.

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O culpado: uma súbita remoção da camada protetora de ozônio do planeta, que expôs a vida da superfície a uma explosão de radiação ultravioleta (UV). Assim que o evento de extinção começou, os esporos ficaram deformados e escuros (mutações causadas pelos raios UV), indicando danos ao DNA, como explica um artigo publicado na Science Advances.

Até pouco tempo, os cientistas achavam que havia apenas duas maneiras de acabar com a vida na Terra (isso sem contar a própria ação humana): uma pancada de um asteroide ou erupções vulcânicas maciças. Mas há dois anos, pesquisadores encontraram evidências de que na pior extinção da Terra (o final do permiano, 252 milhões de anos atrás), vulcões elevaram depósitos de sal da Sibéria até a estratosfera, onde eles poderiam ter alimentado reações químicas que destruíram a camada de ozônio e esterilizaram florestas inteiras.

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Agora, os esporos do final do devoniano mostraram que, mesmo sem erupções, um clima quente pode esgotar a camada de ozônio. “Com evidências tão fortes, as pessoas repensaram outros eventos de extinção em massa”, explica a paleobióloga Lauren Sallan, da Universidade da Pensilvânia.

Foi o trabalho de Sallan que revelou quando a extinção do devoniano tinha sido poderosa, destruindo muitas plantas e vertebrados, incluindo a maioria dos tetrápodes – os peixes de quatro patas que começaram a desenvolver dedos das mãos e dos pés. Apenas os tetrápodes de cinco dedos sobreviveram. “Isso redefine nossa própria evolução”, afirma John Marshall, palinologista da Universidade de Southampton e um dos coautores do estudo.

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Tetrápodes do período devoniano. Ilustração: Maggie Newman

O que faltava ao fim do devoniano era uma causa. Não havia evidências de atividades vulcânicas ou de impacto gigante de um meteoro. “Algo estava realmente estragado com o clima naquela época”, diz Sallan. À medida que o clima esquentava após a última era glacial do devoniano, os lagos se formaram e se encheram de sedimentos que lentamente se transformaram em lama petrificada, registrando as condições antes e durante a extinção.

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Nesse cenário, os pesquisadores conseguiram coletar esporos fossilizados. Os esporos são um fóssil comum por causa do seu revestimento resistente, mas são vulneráveis ​​à radiação UV, como os humanos – eles podem até desenvolver um “bronzeado”. O dano que os cientistas observaram nas amostras é consistente com esse tipo de exposição.

O estudo indica que o clima quente provocou tempestades mais poderosas, que por sua vez injetaram uma mistura de água e sais na estratosfera, destruindo o ozônio. Como os raios UV mataram as florestas, o escoamento de nutrientes para o mar poderia ter causado a proliferação de plâncton e algas, produzindo mais sais destruidores de ozônio em um feedback descontrolado.

O que aconteceu no devoniano pode ser considerado um presságio do que poderia acontecer no mundo hoje, no qual o aquecimento do clima causa tempestades mais poderosas – que às vezes “ultrapassam” a troposfera e injetam umidade na estratosfera seca e fria. Não faz muito tempo, “condições atmosféricas incomuns” para o Hemisfério Norte, segundo a Agência Espacial Europeia (ESA), abriram um buraco na camada de ozônio na região, que felizmente fechou-se semanas depois.

Via: Science