A tecnologia tem sido essencial para o constante desenvolvimento científico no combate contra a Covid-19. É engraçado pensar que um aparelho pequeno e discreto como o oxímetro — aquele dispositivo utilizado nos dedos dos pacientes em triagens hospitalares — consegue detectar a porcentagem de oxigenação no sangue por meio de luzes infravermelhas. O problema é saber que o aparato médico apresenta falhas graves em indivíduos que não são brancos, colocando milhões de vidas em risco.

O oxímetro pode ser encontrado na internet por cerca de R$ 100. Por meio de luzes vermelhas e infravermelhas, ele faz a leitura de hemoglobinas no sangue, mede a quantidade de luz transmitida por meio dos capilares do paciente e detecta a quantidade de oxigênio presente nas correntes sanguíneas.

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O aparelho inclusive tem sido recomendado por membros de saúde, já que a baixa saturação de oxigênio é um dos diversos sintomas da Covid-19. Os dados da OMS apontam que:

  • pessoas saudáveis que vivem ao nível do mar possuem porcentagem de oxigênio no sangue entre 95% e 100%
  • indivíduos com condições leves de saúde (como gripes ou resfriados) podem apresentar porcentagens entre 95% e 100%
  • leituras abaixo de 90% são consideradas casos de emergência clínica
Dispositivo médico tem sido utilizado em hospitais da cidades de São Paulo para detectar possíveis casos de Covid-19. Foto: Quinn Dombrowski/Flickr

Resultados diferem entre raças

O grande problema é que assim como em casos de reconhecimento facial, a tecnologia tem favorecido apenas a população branca. Como o dispositivo utiliza sensores de luz sobre a pele, é imaginável que resultados entre negros e brancos possam apresentar diferença.

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Buscando averiguar o caso, um grupo de cientistas americanos de um laboratório na Universidade da Califórnia (UCSF) realizou diversas pesquisas, que foram publicadas em 2007.

Ao analisar 1.067 dados oriundos dos testes, a equipe descobriu um padrão bem claro de falhas: os aparelhos superestimavam a porcentagem de oxigênio no sangue de negros, latinos e indígenas. Em alguns casos, a margem de erro chegava a 8%, enquadrando pessoas enfermas como saudáveis.

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A causa tem raíz histórica. As tecnologias de ponta geralmente foram criadas e utilizadas com bases em padrões de pessoas brancas. O grupo de pesquisa da UCSF concluiu que há uma grande probabilidade dos oxímetros terem sidos calibrados tendo as peles claras como referência.

Negros, indígenas e latinos podem ser diagnosticados erroneamente por “falhas de leituras” dos oxímetros. Foto: Rawpixel

Falha segue sem solução

Diversas atualizações das pesquisas foram publicadas pela UCSF. Ruha Benjamin, socióloga especializada em ciência e tecnologia, também foi uma das pessoas que reivindicou medidas corretivas em prol da população negra.

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Contudo, parece existir uma certa negligência por parte do setor de saúde, já que nenhuma ação foi tomada ao longo desses anos. As informações e pesquisas que evidenciam a discriminação do oxímetro também são escassas.

O descaso — que por si só já é considerado gravíssimo — se torna ainda mais preocupante após uma análise da CNN (com base nos boletins epidemioógicos do Ministério da Saúde) apontar que os negros estão morrendo 40% mais que os brancos no Brasil por conta da pandemia.

Os engenheiros do MIT sugerem adicionar LEDs ajustáveis aos oxímetros, permitindo aos dispositivos a definição de padrões individualizados para cada usuário. Deste modo, a precisão e a segurança equitativa poderia ser garantida. Além disso, a criação de bancos de dados capazes de reunir informações de pessoas de raças diferentes, pode permitir que algoritmos mais plurais sejam encontrados.

É necessário, especialmente com a chegada da Covid-19, que haja um cuidado homogêneo para com os cidadãos. A tecnologia deve ser aliada da ciência, atuando de maneira precisa e efetiva no auxílio aos quase 19 milhões de infectados pelo coronavírus no mundo.

Via: Boston Review