Por Marcelo Zurita*

No início da noite desta segunda (24), um estranho fenômeno no céu foi percebido por várias pessoas de diversas partes do país, principalmente no Nordeste. Uma mancha iluminada, em formato de cone se deslocava lentamente, no sentido contrário às estrelas.

Muitos acreditavam estar vendo algo místico, sobrenatural, outros achavam que se tratava de um cometa ou meteoro. Na verdade, o que foi visto nos céus do Brasil nesta segunda-feira foi a pluma de ventilação do segundo estágio do foguete Longa Marcha 5, lançado alguns minutos antes, na China.

Circularam pelas redes sociais fotos e vídeos enviados de várias cidades do Nordeste, principalmente da Bahia. O Clima ao Vivo, uma instituição que mantém uma rede de câmeras em todo país para monitoramento meteorológico, divulgou imagens registradas em 12 cidades diferentes mostrando o deslocamento da pluma pelo céu.

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O foguete partiu do Centro Espacial de Wenchang às 17h35 (horário de Brasília) desta segunda com destino à Lua. Ele levava consigo a Sonda Chang’e 5, composta de dois módulos, um deles na órbita da Lua e outro, um módulo de pouso, que deve coletar amostras do solo lunar para serem analisadas pelos cientistas chineses.

Para chegar até a Lua, entretanto, a Sonda precisa de um gigantesco foguete e muito combustível para impulsionar a nave até ela atingir a velocidade necessária para vencer a gravidade da Terra. A medida que o combustível vai sendo consumido, o foguete libera seus estágios, tornando-se mais leve.

O primeiro estágio, usado na aceleração inicial, geralmente se solta alguns minutos após o lançamento. O segundo estágio normalmente atinge altitudes e velocidades bem mais elevadas, sendo desligado quando já está em órbita da Terra. Esse corpo de foguete do segundo estágio permanecerá em órbita como um lixo espacial por muito tempo, e nesta condição, são necessárias algumas medidas de segurança.

A principal delas é esvaziar completamente o combustível não utilizado, para evitar que a pressão interna possa provocar algum tipo de explosão, o que poderia afetar os satélites em órbita ou futuros lançamentos. Nesse processo, chamado de “ventilação de combustível”, o combustível pressurizado é liberado no espaço de forma a igualar a pressão interna do foguete evitando futuras explosões. E como esse processo é realizado após o desligamento dos motores do foguete, o combustível pode ser lançado em qualquer direção, mas geralmente acaba uma espécie de cone por conta da rotação do foguete.

Como a velocidade com que o combustível é liberado é imensamente inferior à velocidade do foguete, durante algum tempo, a pluma e o foguete seguem muito próximos no espaço, na mesma trajetória que estava o foguete no momento em que ele foi desligado. Por isso, a nuvem luminosa vista nesta segunda, seguiu lentamente na direção leste, a mesma trajetória prevista para o Longa Marcha 5 que levou a Sonda Chang’e 5 para a Lua.

ReproduçãoTrajetória da Missão Chang’e-5. Créditos: ESA

Isso só pode ser visto aqui do Brasil porque, no momento em que o foguete liberou o combustível, ele passava nessa região e numa altitude onde ainda recebia a luz solar, que refletiu na pluma tornando-a visível nos locais onde já havia escurecido.

Marcelo Zurita é presidente da Associação Paraibana de Astronomia, membro da SAB – Sociedade Astronômica Brasileira e diretor técnico da Bramon – Rede Brasileira de Observação de Meteoros