Em 19 de março de 2020, o supervisor do DBK1, um centro de distribuição da Amazon no Queens, em Nova York, escreveu em uma ferramenta interna de chat: “Ei equipe – Sei que foram longas 36 horas e que vocês todos provavelmente ouviram algo ou leram as notícias, mas quero colocar todos na mesma página. Tivemos mesmo um caso confirmado de Covid-19 no DBK1 ontem. Escalamos esta informação assim que soubemos e agimos rapidamente com nossos parceiros, incluindo Tim Collins [vice-presidente de logística global da Amazon]”.

A mensagem se refere ao primeiro caso da doença em um centro de distribuição da Amazon, nos EUA. E, embora a imprensa tivesse reportado o caso em 18 de março, a gerência da DBK1 só começou a comunicar oficialmente o caso aos funcionários um dia depois.

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Inicialmente os trabalhadores ficaram sabendo via mensagem de texto em um grupo de funcionários chamado Amazonians United New York City e fizeram um protesto do lado de fora do prédio.

O grupo se formou dentro do DBK1 no início de março para alertar que a empresa havia violado as leis trabalhistas de Nova York, que exigem que empresas com mais de cinco funcionários forneçam 40 horas de licença médica remunerada aos funcionários.

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Amazon estava despreparada, mesmo sabendo dos riscos

Uma coleção de documentos internos e comunicados do DBK1 obtidos pelo site Motherboard, da Vice, mostra como a Amazon correu para lidar com os primeiros casos de Covid-19 e implementar protocolos de segurança.

A empresa mandou gerentes às lojas para comprar o quanto pudessem de álcool gel, lenços antissépticos e desinfetante, além de água potável para os funcionários sofrendo com o calor. Também usou imagens de câmeras de vigilância para tentar rastrear os contatos de funcionários que poderiam ter sido expostos à Covid-19.

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Os primeiros dias da pandemia de Covid-19 foram caóticos para todos, com pânico em larga escala, mensagens conflitantes de oficiais de saúde pública e políticos, além da falta de suprimentos básicos como papel higiênico e desinfetante.

Mensagens conflitantes de políticos, como o Presidente dos EUA, Donald Trump, causaram caos no início da pandemia

A cidade de Nova York anunciou o primeiro caso confirmado da doença em 1º de março. E mesmo mais de duas semanas depois a Amazon, que tem fábricas e relacionamento com empresas na China, onde a pandemia se alastrou por meses antes de chegar aos EUA, não tinha uma estratégia coerente para lidar com a doença.

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Corrida por suprimentos

Em 17 de março, enquanto cidades e estados entravam em lockdown, o site da Amazon estava ficando sem estoque de itens básicos como comida, sabão, desinfetante e papel higiênico. E instalações da empresa, ao menos a DBK1, também estavam ficando sem estes suprimentos para uso dos funcionários.

“Por favor, antes de vir para o próximo turno, parem em quaisquer lojas que puderem e peguem o quanto de álcool gel/lenços desinfetantes que puderem encontrar, estamos ficando sem”, disse um gerente aos seus colegas em um grupo de chat.

“A Costco não tem lenços. A coisa mais próxima vem em pacotes de três”, disse outro gerente, mostrando uma foto de três garrafas de desinfetante para múltiplas superfícies. “Quantos devo levar?”

“Tudo”, respondeu outro gerente. “Sério, não teremos outra chance”. Os gerentes conversaram sobre esconder as garrafas de desinfetante em um de seus escritórios, para que os funcionários não pudessem acessá-las.

Em outra discussão os gerentes tentam usar imagens das câmeras de vigilância do armazém para identificar funcionários que tem tiveram contato com colegas que foram diagnosticados com Covid-19.

“A qualidade é muito baixa, mas parece que há um homem nessa mesa que não está entre os que foram identificados antes”, disse um gerente no chat. “Vocês conseguem identificar quem é, conhecendo o grupo?”. Os gerentes então compartilhavam screenshots dos crachás e perfis internos de funcionários que suspeitavam terem sido expostos.

Respostas enlatadas

Menos de uma semana depois do primeiro caso ter sido identificado, a liderança da DBK1 enviou mensagens internas avisando que mais dois funcionários foram diagnosticados com a doença.

Junto havia um script com tópicos que os gerentes poderiam usar para se comunicar com os funcionários, em particular os que tiveram contato com os infectados pela Covid-19.

Os documentos diziam aos gerentes para avisar os funcionários de que não poderiam distribuir máscaras devido à escassez global, e desencorajavam os funcionários de usar máscaras N95, as mais eficazes na prevenção, embora permitissem que trouxessem suas próprias. “Não imprima nem distribua cópias físicas desta mensagem”, diziam os documentos.

Funcionária de depósito da Amazon usa máscara para se proteger da Covid-19.
Inicialmente, Amazon disse que não poderia distribuir máscaras aos funcionários devido à escassez global, e desencorajou o uso do modelo mais eficaz, a N95

Em 25 de março a divisão global de recursos humanos da Amazon não informou aos trabalhadores sobre um fechamento temporário do DBK1 depois que mais um funcionário foi diagnosticado com Covid-19, e as pessoas apareceram para trabalhar.

Entre março e maio, os gerentes foram instruídos sobre como se posicionar sobre paralisações e petições organizadas pelo Amazonians United NYC. Os trabalhadores reclamavam que funcionários foram demitidos quando não apareceram para cumprir suas jornadas, e a empresa não estava lhes oferecendo uma possibilidade de serem recontratados

Mensagens internas entre gerentes também mostram que alguns funcionários estavam trabalhando jornadas de 12 horas, o que é contra as políticas da própria Amazon. À medida que a pandemia progredia, as comunicações mostram que a forma como o depósito lida com distanciamento social melhorou, e os protestos diminuíram.

Preocupação com protestos

Ainda assim, a empresa continua preocupada com protestos e organização interna em seus depósitos, especialmente com a proximidade das festas de fim de ano, período de maior movimento.

A equipe de relacionamento com funcionários na América do Norte exigiu que todos os gerentes participassem de um novo treinamento online sobre gerenciamento de protestos.

Funcionários protestam durante a Black Friday em frente a instalação da Amazon na Europa

“Este treinamento vai cobrir especificamente o gerenciamento de protestos à medida que entramos na temporada de pico. Ele foi projetado para relembrar protocolos, como agir sobre preocupações e protestos de forma rápida e onde encontrar recursos pré-aprovados em tempo real”, diz uma mensagem enviada aos gerentes de depósitos na área metropolitana de Nova York.

A resposta da Amazon

Contatada pela Motherboard, Maria Boschetti, uma porta-voz da Amazon, disse: “A Amazon prioriza a segurança e bem-estar de seus funcionários e investiu bilhões de dólares para oferecer um local de trabalho seguro, que é o motivo pelo qual já no começo desta pandemia agimos rapidamente para implementar mais de 150 mudanças relacionadas à Covid em nossos processos”.

“Isso além de fornecer máscaras, luvas, câmeras térmicas, termômetros, pulverizar desinfetante em nossos prédios, aumentar as equipes de zeladoria, implementar estações extras para a lavagem das mãos, oferecer álcool gel, lenços desinfetantes e testes de Covid em centenas de nossas instalações”, completa.

Fonte: Motherboard