Não muito diferente do que aconteceu com a Terra, Marte passou diversas “eras do gelo” ao longo de milhões de anos. Mas ao invés de derreter nos períodos mais quentes, as geleiras marcianas permaneceram na superfície – sob as rochas e escombros. E podem fornecer aos cientistas informações sobre a evolução da atmosfera do Planeta Vermelho.

Em um novo artigo publicado na Proceedings of the National Academies of Science (PNAS), o geólogo planetário Joe Levy, da Universidade Colgate, apresenta uma análise inovadora das geleiras de Marte. Com base em dados coletadas pelo satélite Mars Reconnaissance Orbiter, o pesquisador concluiu que o planeta passou por algo entre seis e 20 eras glaciais separadas, durante os últimos 300 a 800 milhões de anos.

O estudo é mais um passo na compreensão da história geológica de Marte, em especial uma questão que há muito intrigava os cientistas. A superfície do planeta é povoada por depósitos de geleiras cobertos por detritos. Mas não se sabia se essas formações eram resultado de várias eras glaciais ou de uma era do gelo contínua.

Em Marte a maior parte do gelo é composto por dióxido de carbono (gelo seco). Imagem: Nasa/JPL/University of Arizona

Como as eras glaciais resultam de uma mudança na inclinação do eixo de um planeta, conhecida como obliquidade, examinar a erosão nas rochas na superfície das geleiras poderia trazer pistas sobre a progressão do clima em Marte – bem como que tipo de rochas, gases ou mesmo micróbios pode estar preso dentro do gelo. “Existem modelos realmente bons para os parâmetros orbitais de Marte nos últimos 20 milhões de anos”, explica Levy. “Depois disso, os modelos tendem a ficar caóticos”.

publicidade

O geólogo e sua equipe escolheram 45 geleiras para examinar de perto. Imagens de alta resolução coletadas pelo satélite Mars Reconnaissance Orbiter, com resolução de 25 centímetros por pixel, deu aos pesquisadores a oportunidade de realizar uma espécie de “trabalho de campo virtual, subindo e descendo essas geleiras e mapeando as rochas”, lembra Levy.

Cerca de 60 mil rochas foram medidas e analisadas, mas os dados iniciais confundiram os cientistas, já que os detritos pareciam estar distribuídos aleatoriamente. “Na verdade, as pedras estavam nos contando uma história diferente”, afirma Levy. “Não era o tamanho delas que importava; era como elas estavam agrupadas”.

Depósitos de gelo polo norte de Marte podem ter até 3,2 quilômetros de espessura e quase mil quilômetros de diâmetro. Imagem: Nasa/JPL/University of Arizona

As rochas estavam distribuídas em faixas de detritos pelas superfícies das geleiras, marcando o limite de fluxos separados e distintos de gelo. Esse era um indicativo de que Marte oscilou em seu eixo. “Este artigo é a primeira evidência geológica do que a órbita e a obliquidade de Marte podem ter feito por centenas de milhões de anos”, conta Levy.

A descoberta de que as geleiras se formaram ao longo do tempo tem implicações para a geologia planetária e até para a exploração espacial. “Essas geleiras são pequenas cápsulas do tempo, capturando instantâneos do que havia na atmosfera marciana”, afirma o Geólogo.

“Agora sabemos que temos acesso a centenas de milhões de anos de história marciana sem ter que perfurar profundamente a crosta – podemos apenas fazer uma caminhada ao longo da superfície”, completa Levy.