Há alguns meses, a vacina contra Covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford com a farmacêutica AstraZeneca foi apresentada como a mais avançada em seus testes pela Organização Mundial de Saúde, o que a colocou em um patamar acima das demais. Hoje, no entanto, a situação é diferente. O imunizante, apesar de demonstrar resultados positivos nos ensaios clínicos, passou a ser rejeitado.

O Wall Street Journal publicou que, na Europa, a vacina está “encalhada”, com várias doses já compradas que não estão sendo distribuídas. O motivo para isso estava em uma desconfiança de que o produto não seria eficaz em idosos, que nasceu a partir de uma matéria publicada por um jornal alemão no início do ano.

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Na falta de estudos claros que demonstrassem a proteção de idosos, o artigo foi o suficiente para que os países europeus decidissem não utilizar a vacina mais em idosos. Como a maioria dos países têm acordos com outras fornecedoras, eles acabaram optando por utilizar outros imunizantes na população idosa. Isso também acabou gerando uma desconfiança do público em geral, que prefere se vacinar com as alternativas, contribuindo para o encalhe.

Brasil vive situação distinta

No entanto, no Brasil, a situação é outra. O país tem usado a vacina de Oxford amplamente na imunização de idosos, e a tendência é que sua utilização seja acelerada a partir deste mês, quando a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) começará a entregar as doses processadas no país com o insumo farmacêutico ativo (IFA) recebido da China. Isso é um motivo para preocupação? É motivo para interromper a vacinação?

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Felizmente, não. Como explica ao Olhar Digital o professor de imunologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Sergio Surugi de Siqueira explica que, apesar de os estudos clínicos não terem acompanhado a eficácia em idosos, análises do “mundo real”, com quem se vacinou no Reino Unido, já demonstram que a vacina de Oxford protege, sim, os mais velhos.

Apenas nesta semana, foram divulgados dois resultados que sustentam a efetividade da vacina em idosos. Na segunda-feira (1º), o governo britânico divulgou resultados que mostravam redução entre 60% e 73% nos casos sintomáticos entre idosos imunizados. E agora, nesta quarta-feira (3), surgiram dados da Universidade de Bristol que mostram uma redução e 80% nos casos de Covid-19 severos, definidos como graves o suficiente para precisar de internação, entre os imunizados com mais de 80 anos.

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Siqueira explica que esses resultados devem ser analisados com cautela, já que não são estudos revisados por pares e os pacientes acompanhados por pouco tempo, uma vez que a vacinação no Reino Unido começou no fim de 2020, sem dar tempo suficiente sequer para que todos recebam a segunda dose da vacina de Oxford. Mesmo assim, são resultados animadores que reforçam que o imunizante não deve ser descartado.

No Brasil, pela ausência de outras opções e pelo momento de descontrole, a vacina de Oxford é ainda mais crucial. Siqueira reforça que, com esses sinais e com o fato de que o imunizante se provou seguro em todas as fases de testes, é muito melhor ser vacinado do que não ser, então não há motivos para rejeitar o medicamento, nem por parte da população, nem por parte das autoridades de saúde.

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Vacina contra as variantes

Um outro ponto de preocupação neste momento são as variantes do coronavírus, em especial a P.1, a cepa brasileira que foi descoberta em Manaus. Até o momento, não há muitos estudos que demonstrem como as vacinas respondem às mutações; a maioria das análises acompanham apenas as variantes B.1.1.7, detectada primeiro no Reino Unido, e a B.1.351, na África do Sul.

Siqueira defende que, mesmo com a preocupação com uma possível evasão imune, é importante continuar a vacinação. Isso porque é importante reduzir a circulação do vírus e impedir que outras mutações potencialmente ainda piores apareçam.

Ele explica que mutações são um processo natural do vírus, causadas por pequenas falhas no processo de replicação dentro das células. A maioria dessas mutações são inofensivas. No entanto, quando você tem milhões de pessoas infectadas simultaneamente, com bilhões de partículas virais no corpo, são grandes as chances do surgimento de uma mutação que traga vantagem competitiva contra as outras, permitindo ao vírus se multiplicar mais do que seu antecessor. Isso pode significar maior transmissibilidade ou então maiores chances de fuga de resposta imunológica por infecção prévia ou por vacinas.

Siqueira faz a comparação com a Mega Sena: cada vez que um vírus se replica, é como se ele estivesse comprando um bilhete de loteria. Na maior parte das vezes, quem aposta na Mega Sena perde. No entanto, se bilhões de apostas forem feitas, as chances de uma delas ser vencedora são altíssimas. Um sorteio do meio do ano muitas vezes não tem nenhum vencedor, mas o do fim do ano, que tem muito mais apostadores, normalmente tem alguém que acerta todos os números.

A única forma de conter o surgimento de variantes é impedir a replicação descontrolada do vírus e minimizar as chances da “aposta premiada”. E é para isso que existem as vacinas. Mesmo que algumas das variantes atuais demonstrem maior resistência aos imunizantes, a eficácia não é completamente zerada, reduzindo riscos de complicação.