Uma petição online pede pela saída de Richard Stallman, fundador da Free Software Foundation (Fundação do Software Livre, ou FSF na sigla em inglês), em resposta à sua recente reintegração ao comitê de diretores da entidade de software livre. O motivo é o posicionamento de Stallman no passado e presente: o desenvolvedor é conhecido por afirmações machistas, transfóbicas e cheias de preconceito direcionado a portadores de deficiências variadas.

A petição é apenas o capítulo mais recente em um escândalo que já vem tomando grande proporção há algum tempo. Recentemente, o veterano do Linux, Robert J. Hansen, anunciou a sua saída do Projeto GNU, ligado à FSF, por causa de Stallman: “Nestes vinte e seis anos, Stallman tem estado à frente da FSF. Por todo esse tempo, eu não consigo me lembrar de uma única vez em que ele foi uma boa pessoa. Minhas experiências diretas [com ele] foram frustrantes. Eu conheço muitos hackers cujas experiências [com ele] foram um sofrimento. Eu não sei de um único hacker que seja que tenha com ele uma experiência com alguma bondade”, disse o desenvolvedor em comunicado publicado no Twitter.

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Imagem mostra Richard Stallman, com cabelos e barba longos, respondendo a perguntas
Richard Stallman presidiu a FSF até 2019, quando renunciou mediante comentários sobre assédio sexual e o caso Jeffrey Epstein. Imagem: Christophe Ducamp/Flickr

Não apenas Hansen, mas a própria Red Hat, que desenvolve soluções em Linux para empresas, anunciou a retirada de seu apoio à FSF. “Considerando as circunstâncias da renúncia original de Stallman em 2019, a Red Hat ficou chocada ao descobrir que ele havia se reintegrado ao comitê de direção da FSF. Por causa disso, nós estamos imediatamente suspendendo todas as doações e financiamentos da Red Hat à FSF e a eventos relacionados à FSF”, diz o comunicado publicado no site da empresa. “Mais além, muitos colaboradores da Red Hat nos informaram que não pretendem mais participar de eventos da FSF – e nós vamos apoiá-los nisso”.

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Outras duas entidades que confirmaram a remoção de qualquer apoio à FSF foram a Electronic Frontier Foundation (EFF) e a Free Software Foundation Europe (FSFE). A primeira, em comunicado, disse: “[Nós] estamos profundamente decepcionados de saber da reeleição de Richard Stallman a uma posição de liderança da FSF, após uma série de acusações de má conduta que levaram à sua própria renúncia em 2019. Também estamos desapontados com o fato de isso ter sido feito apesar de nenhum esforço ser tomado para que ele assuma sua responsabilidade, ou mesmo peça desculpas, por suas ações no passado ou para aqueles que sofreram danos por elas. Finalmente, nos perturba a forma secreta do processo desta reeleição, e como ela foi tardiamente transmitida à equipe da FSF e seus apoiadores”.

Imagem mostra o "Tux", o mascote do Linux. Sistema operacional aberto foi criado com base em tecnologia desenvolvida por Richard Stallman
Stallman é creditado como o criador do Projeto GNU, que serviria de base para que Linus Torvalds inventasse o Linux. Imagem: Stanislaw Mikulski/Shutterstock

Já a FSFE confirmou que só soube do retorno de Stallman pela mídia, apesar de ser parte da mesma FSF e responder pelas ações da organização na Europa. “Nós acreditamos que essa ação e a forma como ela foi comunicada fere o futuro do movimento pelo software livre. O objetivo deste movimento é empoderar todas as pessoas a controlarem a tecnologia e, por ela, criar uma sociedade melhor para todos. O software livre deve servir a todos, independente de idade, deficiência, identidade de gênero, sexualidade, nacionalidade, religião ou orientação sexual. Isso exige [a criação de] um ambiente inclusivo e diversificado, que receba de braços abertos e de forma igualitária a todos os colaboradores”.

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Acusações “antigas”

Richard Stallman – que atende também pelo apelido RMS – era o presidente da FSF em 2019, quando renunciou ao cargo após declarações relacionadas às vítimas de abusos cometidos por Jeffrey Epstein, um financista norte-americano. Epstein estava preso, condenado nas acusações de exploração sexual de menores e pedofilia. Ele veio a cometer suicídio na cadeia, enforcando-se na própria cela – embora diversas teorias de conspiração indicam que ele, na verdade, foi assassinado pois, segundo elas, Epstein teria provas do envolvimento de pessoas famosas e poderosas em suas conduções sexuais criminosas.

A Free Software Foundation anunciou, na mesma época, que seguiria buscando um novo presidente, anunciando Geoffrey Knauth para o cargo.

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“[O termo] ‘assédio sexual’ é tão vago e escorregadio que facilita a inflação da acusação: aceitar acusações de que alguém fez ‘X’ e levar as pessoas a pensarem nisso como ‘Y’, o que é muito pior do que ‘X'”, disse Stallman à época. Em outras palavras: dependendo do contexto, acusar alguém de assédio sexual pode ser pior do que o próprio ato de assédio, segundo ele, que além de deixar a FSF, também abriu mão de seu posto no Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT).

Durante a conferência anual LibrePlanet, porém, a FSF anunciou o retorno de Stallman ao comitê de diretores da Fundação, pegando todos os seus apoiadores de surpresa já que, segundo os testemunhos acima, ninguém sequer sabia que uma eleição havia ocorrido – menos ainda que Richard Stallman estava entre os candidatos.

A petição, assinada por diversas figuras proeminentes do universo open source, diz: “[Stallman] tem sido uma força perigosa na comunidade do software livre por muito tempo. Ele tem se mostrado uma pessoa misógina, preconceituosa contra portadores de deficiências e transfóbica, entre outras acusações de má conduta. Essas crenças não têm lugar nas comunidades de software livre, direitos digitais e de tecnologia em geral. Com sua recente reintegração à Free Software Foundation, nós, os assinantes, pedimos que todo o comitê da FSF renuncie às suas posições e que RMS seja removido de seu cargo de liderança”.

Dentre os assinantes, destacam-se Chris DiBona, da área de open source do Google; Lars Wirzenius, autor do livro “Linux System Administrators Guide”; Frederico Mena Quintero, fundador do projeto Gnome, e os antigos líderes do projeto Debian – Neil McGovern, Stefano Zacchiroli e Steve McIntyre. A FSF e Stallman não comentaram as informações.

Fonte: GitHub, Robert J. Hansen, Red Hat, EFF, FSFE