De acordo com o World Mosquito Program (WMP), programa mundial de combate a doenças provocadas por mosquitos, é possível reduzir a transmissão da dengue por meio de uma técnica denominada Método Wolbachia. Uma pesquisa feita na Indonésia, que utilizou o método de introdução da bactéria Wolbachia em mosquitos Aedes aegypti, comprovou a eficácia da estratégia, ampliando as esperanças de se conter a doença que infectou mais de 1 milhão de pessoas no Brasil em 2020.

O WMP é uma iniciativa internacional sem fins lucrativos que trabalha para proteger a comunidade global das doenças transmitidas por mosquitos, tais como dengue, febre amarela, chikungunya e zika. O primeiro local de atuação do WMP foi o norte da Austrália, em 2011, e, atualmente, o programa opera em 11 países: Austrália, Brasil, Colômbia, México, Indonésia, Sri Lanka, Vietnã, Kiribati, Fiji, Vanuatu e Nova Caledônia. 

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Aedes aegypti fêmea coloca, em média, 100 ovos de cada vez, distribuindo-os por diferentes pontos. Imagem: Celso Margraf – Shutterstock

No Brasil, o Método Wolbachia é conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), com financiamento do Ministério da Saúde, em parceria com os governos locais. “Atualmente, atuamos no Rio de Janeiro (RJ), Niterói (RJ), Campo Grande (MS), Belo Horizonte (MG) e Petrolina (PE)”, informa o site brasileiro do programa.

Um experimento publicado pela revista científica The New England Journal of Medicine, feito pela primeira vez na Yogyakarta, na Indonésia, e realizado também no Brasil pela Fiocruz, conseguiu reduzir em 77% os casos de dengue. Além disso, foi identificada uma redução de 60% nos casos de chikungunya nas áreas que receberam os Aedes aegypti com Wolbachia, quando comparado com áreas que não receberam. 

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“A expectativa é que em até quatro anos, que é o tempo do estudo, seja possível conhecer o impacto do Método Wolbachia no controle das arboviroses em Belo Horizonte”, disse em comunicado o pesquisador da Fiocruz e líder do método Wolbachia no Brasil, Luciano Moreira.

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Como funciona o método Wolbachia 

Uma das pesquisadoras do experimento na Indonésia, Katie Anders, descreve a bactéria Wolbachia como um “milagre natural”. Isso porque o micro-organismo não causa danos ao mosquito ao tomar conta das mesmas partes do corpo que o vírus da dengue precisa para ser espalhado pelo vetor. 

Por meio desse método, a bactéria compete por recursos e torna bem mais difícil o vírus da dengue se replicar, o que torna bem menos provável que o mosquito cause a infecção quando picar alguém. 

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Em Yogyakarta, o experimento utilizou 5 milhões de ovos de mosquitos infectados com a Wolbachia. Os ovos foram colocados em recipientes com água na cidade a cada duas duas semanas, e o processo de constituir uma população infectada de mosquitos levou nove meses. 

A cidade, que tem cerca de 300 mil habitantes, foi dividida pelos cientistas em 24 zonas, e os mosquitos infectados por Wolbachia foram liberados em metade delas. Como resultado, observou-se, além da redução no número de casos de dengue, a diminuição em 86% na quantidade de pessoas que precisaram de atendimento hospitalar.

“Isso é bastante animador”, afirmou Anders à BBC News. “Para ser honesta, é melhor do que esperávamos”. 

A pesquisadora, que também é diretora de avaliação de impacto do WMP, acredita que a estratégia “pode ter um impacto ainda maior quando implantado em grande escala nas grandes cidades do mundo, onde a dengue é um grande problema de saúde pública”. 

Segundo a pesquisa, a bactéria Wolbachia mostrou-se bastante manipulável e, também, capaz de alterar a fertilidade de seus hospedeiros para garantir que eles passem o micro-organismo para a próxima geração de mosquitos. 

Isso quer dizer que, uma vez que esteja estabelecida, a bactéria pode continuar a ajudar a controlar as infecções por um longo tempo. Essa estratégia contrasta com outras tentativas de controlar a doença, como inseticidas ou soltura de mosquitos macho inférteis, que precisam ser refeitas.

O experimento representa um marco importante após anos de pesquisa, uma vez que a Wolbachia é uma bactéria presente em cerca de 60% dos insetos, inclusive em alguns mosquitos, mas não costuma aparecer naturalmente no Aedes aegypti. Estudos com modelos matemáticos que tentam calcular e entender o espalhamento de doenças preveem que a bactéria poderia ser suficiente para suprimir completamente a dengue, caso ela viesse a se estabelecer na população de mosquitos.

Combate ao Aedes aegypti no Brasil já dura mais de um século

Considerado pela Agência Europeia para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC, na sigla em inglês) uma das espécies de mosquito mais difundidas no planeta, o Aedes aegypti é combatido no Brasil desde o início do século passado. Alguns fatores contribuem para torná-lo um agente tão eficiente para a transmissão desses vírus. Um deles é sua capacidade de se adaptar ao ambiente, além de sua proximidade com o homem. 

Surgido na África, em locais silvestres, o mosquito chegou às Américas em navios, ainda na época da colonização. Com o passar dos anos, ele encontrou no ambiente urbano um espaço ideal para sua proliferação. “Ele se especializou em dividir o espaço com o homem”, afirma Fabiano Carvalho, entomologista e pesquisador da Fiocruz Minas. “O mosquito prefere água limpa para colocar seus ovos, e qualquer objeto ou local serve de criadouro. Mesmo numa casca de laranja ou numa tampinha de garrafa, se houver um mínimo de água parada, seus ovos se desenvolvem.”

Outro aspecto que também favorece a reprodução do mosquito é o fato de a fêmea colocar em média 100 ovos de cada vez, mas não em um único local, distribuindo-os por diferentes pontos. 

Segundo o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos, o Aedes aegypti é “muito resistente”, o que faz com que “sua população volte ao seu estado original rapidamente após intervenções naturais ou humanas”. 

No Brasil, o mosquito da dengue chegou a ser erradicado duas vezes

No início do século XX, o epidemiologista brasileiro Oswaldo Cruz comandou uma campanha intensa contra ele no combate à febre amarela. 

Em 1958, a Organização Mundial da Saúde declarou o país livre do Aedes aegypti. Mas, como o mesmo não aconteceu em países vizinhos, o mosquito voltou a ser notado por aqui no fim da década de 60. Em 1973, foi erradicado novamente, retornando mais uma vez três anos mais tarde.

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