Os transtornos psicológicos – ansiedade, depressão e outros – ainda são tabus para a sociedade, embora as discussões sobre a temática estejam avançando nos últimos tempos, especialmente durante a pandemia. Em 2020, uma pesquisa canadense apontou que as mulheres são as mais atingidas pelo sofrimento mental. E, na falta de recursos para tratamentos adequados, muitas delas procuram apoio nas redes sociais, principalmente no Instagram. Especialistas alertam, porém, que os instagrammers, mesmo aqueles que são profissionais de saúde, não substituem o tratamento individualizado com um terapeuta.

Recentemente, Simone Biles, o fenômeno da ginástica norte-americana, falou abertamente sobre sua saúde mental ao anunciar que não participaria das finais individuais das Olimpíadas de Tóquio. A ginasta chegou a ser duramente criticada na internet pela desistência, de maneira pejorativa, como se houvesse escolha diante da fragilidade emocional da qual passa.

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Acontece que o sofrimento psicológico não é uma questão de escolha. Na verdade, os transtornos da mente são generalizados e podem afetar qualquer pessoa, sem distinção de gênero, raça ou classe social. Ninguém é blindado, contudo, nem todos estão preparados para lidar com a situação da maneira mais adequada.

Segundo o The Next Web, a predominância de transtornos psicológicos nas mulheres, apontada por uma pesquisa canadense de 2020, envolve questões históricas. Isso porque, desde os primórdios da humanidade, fomos retratadas como histéricas e isso alimentou a ideia de que a loucura é inerente à natureza feminina.

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Consequentemente, as mulheres se tornaram não apenas mais suscetíveis a serem rotuladas como desequilibradas, mas a psicologia tradicional também insiste em generalizar suas experiências, desconsiderando que a feminilidade é vivida de forma diferente dependendo da raça, da identidade de gênero e de outros determinantes sociais.

Dessa maneira, embora anos de estudo tenham desafiado a associação entre mulheres e os transtornos psicológicos, as normas de gênero continuam a afetar o bem-estar das mulheres e o acesso a cuidados apropriados. É por isso (e também por falta de recursos) que muitas procuram ajuda nas redes sociais, principalmente no Instagram, onde a sensação de felicidade – mesmo que falsa, por vezes – é uma narrativa dominante.

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O sofrimento mental aumentou com a pandemia e o isolamento social fez com que a procura por ajuda profissional diminuísse. O Instagram, apesar de apontado por alguns como um agravador do problema, tem sido base de apoio para muitas mulheres com transtornos psicológicos.
Créditos: Shutterstock

Terapia do Instagram

Algumas mulheres que convivem com transtornos psicológicos afirmaram, em entrevista ao The Next Web, que apesar de não ser o ideal, o Instagram pode ser uma ferramenta para lidar com os problemas, bem como para buscar apoio e validação pessoal.

Um exemplo prático é o de Cécile, estudante de Filosofia. Ela decidiu procurar ajuda profissional para o um problema com transtorno alimentar pouco antes da pandemia. Quando o lockdown começou, seu feed do Instagram ficou cheio de memes sobre o ganho de peso durante a quarentena e isso se transformou em um gatilho.

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Em vez de deixar o Instagram, um dos poucos lugares onde ela ainda podia se conectar com as pessoas, Cécile decidiu começar a seguir hashtags mais positivas, como #bodypositivemovement – movimento que preza pela aceitação do corpo sem a necessidade de se enquadrar em um padrão.

A estudante também resolveu compartilhar sua experiência com a recuperação do transtorno alimentar nos stories a fim de mudar os rumos do debate sobre dietas. Para ela, fazer esse trabalho é importante para que mulheres com problemas parecidos não se sintam sozinhas, estabelecendo uma corrente de solidariedade.

Já Émilie, uma jovem negra que vive com ansiedade generalizada, não compartilha sua jornada pessoal no Instagram, mas acessa ativamente o conteúdo de contas como  @browngirltherapy  e  @letterstoblackwomen em seu processo de recuperação. Ela descreve que sua saúde mental não pode ser dissociada do racismo cotidiano que vivencia como mulher negra e o assuntos que segue na rede social permite a ela uma rede de apoio.

“O conteúdo das contas que sigo no Instagram fornecem validação para coisas que não são necessariamente abordadas na terapia ou sobre as quais sinto que não posso falar com as pessoas ao meu redor”, conta. Foi graças a esses relatos que Émilie tomou conhecimento de muitas microagressões que estava experimentando, mas não sabia que afetavam seu bem-estar.

Contudo, pensar que o Instagram pode preencher a lacuna das discussões sobre transtornos psicológicos não é o que automaticamente vem à mente quando saúde mental e a mídia social são combinadas. Na verdade, pesquisadores de mídia social demonstram que o Instagram pode ser fortalecedor do problema, mas também prejudicial ao perpetuar expectativas irreais.

Segundo esses especialistas, o Instagram promove modelos esteticamente agradáveis ​​de recuperação da mente, bem como associa autocuidado a bens de consumo e isso pode gerar mais frustração, especialmente nas mulheres.

É comum, por exemplo, banhos de espuma, velas perfumadas e longas rotinas de skincare serem associadas ao cuidado pessoal na plataforma, o que coloca mais uma vez a responsabilidade do bem-estar nas mãos das mulheres ao invés de responsabilizar os verdadeiros culpados: as infraestruturas sociais. Elas são, portanto, não apenas compelidas a usar o Instagram para lidar com a falta de recursos de saúde mental, mas também para a autorrealização que o aplicativo promete.

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No entanto, é preciso ponderar. O Instagram não deve ser tratado somente como um vilão para a discussão de saúde mental. Nem mesmo pode ser considerado o único aliado.

Nesse sentido, embora haja uma tendência de se concentrar em como as redes sociais agravam o sofrimento mental das mulheres, há uma necessidade imediata de reconhecer que essas mulheres também recorrem à plataforma para consultar informações relacionadas a saúde e obter ajuda. A palavra mais apropriada é, portanto, equilíbrio. Sempre.

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