Todo mundo já viu, mas pouco gente ouviu o nome: “técnico”. É assim que são chamadas as típicas caminhonetes improvisadas usadas por forças insurgentes pelo mundo – inclusive o Talibã no Afeganistão, que neste momento desfila com as suas caminhonetes pelas ruas de Cabul.

Um técnico é exatamente o que parece: uma caminhonete comum, das vendidas na concessionária. Não há blindagem: a única modificação é geralmente deixar os vidros escuros para evitar que seus ocupantes sejam reconhecidos. E as armas pesadas na caçamba: coisas como metralhadoras (a DShK russa ou M2 Browning americana), canhões antiaéreos (como a ZUP ou ZU-23-2, ambas soviéticas) e lançadores de foguetes (como o chinês Tipo 63).

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O nome vem da Guerra Civil Somali (que dura 1988 até hoje), na qual forças da ONU tiveram que pedir proteção a milícias locais, que usavam suas caminhonetes armadas. A esses combatentes, eles chamaram de “assistentes técnicos”, e, com isso, o nome colou entre as forças ocidentais.

Apesar do nome ter surgido há três décadas, os técnicos são antigos. O primeiro uso atestado foi em 1914, pelo Exército Francês, tentando defender suas posições coloniais em Papeete, Polinésia Francesa, de um ataque marinho alemão, colocando metralhadoras sobre caminhões Ford.

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O primeiro uso por forças insurgentes foi na mesma guerra, mas com tração a cavalo: a tachanka foi uma carroça de cavalos com uma metralhadora, usada no Front Oriental. É uma invenção atribuída ao anarquista Nestor Makhno, cujas forças improvisadas enfrentaram a Alemanha, o Exército Branco e o Exército Vermelho russos.

Tachanka no Museu de Huliaipole, Ucrânia (Imagem: Wikimedia Commons)

Guerra da Toyota

Dois modelos de caminhonetes da Toyota, a Hilux e a Land Cruiser, se tornaram sinônimo para técnico na insurgência mundial. É tão icônica a relação que o conflito entre Líbia e Chade, entre 1978 e 1987, foi apelidado de “Guerra da Toyota”. Numa entrevista à revista Time, um ex-ranger do Exército dos EUA, Andrew Exum, chamou de “equivalente veicular do AK-47”.

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O que explica o sucesso? Em primeiro lugar, o óbvio: elas são abundantes e fáceis de adquirir (…ou tomar). Isso permite produzir técnicos em quantidade. Faz deles também um tanto descartáveis: se um veículo de um exército pode custar milhões, a geringonça insurgente pode ser abandonada se faltar gasolina e, se destruída, o prejuízo é pequeno. Quanto à falta de proteção… soldados insurgentes também são um recurso mais abundante que caminhonetes para o Talibã.

A ideia é causar um dano desproporcional ao seu custo. Foguetes e baterias antiaéreas não ligam de serem disparados de caminhonetes: podem destruir tanques, drones e aviões de milhões de dólares do mesmo jeito. Um estrago desproporcional é exatamente o que uma força de guerrilha deseja e como acaba vencendo por atrito, por cansaço, um inimigo muito mais bem potente. No caso do Afeganistão, os custos de uma guerra interminável, que pode ter custado até 2 trilhões de dólares, segundo o New York Times, contribuíram na decisão dos EUA de se retirar.

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Camionete de combate técnico
Caminhonete de Combate Técnico, Afeganistão (Imagem: Wikimedia Commons)

Cavalaria sobre rodas

E há algumas vantagens mais propriamente militares. Caminhonetes são leves o suficiente para não detonar minas veiculares, pensadas para coisas mais pesadas, como tanques e blindados de transporte. Uma Hilux de hoje, de 8ᵃ geração, pesa 2100 kg. E já foi mais leve: uma de 4ᵃ geração, dos anos 1980 pesava meros 1270 kg. Compare com os até 3856 kg de um Humvee ou 4656 kg do JLTV, sucessor do Humvee (a sigla vem de Joint Light Tactical Vehicle, “Veículo Tático Leve”). Ironicamente, parte do o peso extra nos dois veículos militares é para se proteger de minas.

Essa leveza leva a outra vantagem: a velocidade. Uma Hilux da geração atual pode atingir 165 km/h. Um Humvee, se propriamente equipado, meros 89 km/h.

Isso é fundamental para a função tática de um técnico: é um veículo de cavalaria leve. A ideia não é enfrentar combate contra inimigos profissionais, no qual não tem chances. Mas encontrar um ponto fraco, atacar por aí, e bater em retirada. Velocidade está na essência disso.

E o antecedente histórico da cavalaria leve é, como o nome indica, anterior a veículos motorizados. Sua função era achar brechas na defesa inimiga e atingi-los no ponto mais fraco, como nos flancos. Ou também comboios de suprimentos e peças de artilharia desprotegidas. Podiam atacar com espadas ou armas de fogo. Mais leves e rápidos que cavaleiros em armaduras, fugiam antes da retaliação.

Exemplos históricos estão nos cossacos russos, que eram usados para causar caos na parte mais fraca, enquanto a cavalaria pesada russa travava o grosso do combate. E, no maior sucesso de todos os tempos, os mongóis, que, com cavalos mais rápidos e atirando enquanto fugiam, conseguiam derrotar cavaleiros em armaduras pesadas. Foi assim que criaram o mais extenso império que a humanidade conheceu: usando seus “técnicos” medievais.

Os “mocinhos” também usam técnicos. São ideais para contra-atacar a insurgência inimiga armadas com outros técnicos. As forças armadas do Iraque e as (agora derrotadas) forças do Afeganistão usam essa caminhonetes. Até mesmo as Forças Especiais dos EUA fizeram uso desses veículos.

Técnico das forças afegãs em exercício conjunto com tropas dos EUA, em 2009 / Wikimedia Commons

Toyota repudia o “sucesso” da caminhonete do Talibã

Técnicos são um absoluto sucesso do campo de batalha. Mas ninguém foi perguntar à Toyota o que acha. E a resposta é óbvia: a empresa detesta ser ligada à caminhonete do Talibã.

A Land Cruiser de 2022 começou a ser vendida no Japão mas, para ser comprada, é preciso assinar um contrato que impede de revendê-la em um ano. As concessionárias são obrigadas a pagar indenização se um cliente revender uma caminhonete comprada com elas.

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A empresa explicou a razão. A Land Cruiser “é particularmente popular no exterior, e estamos preocupados com o fluxo de veículos do Japão para fora imediatamente após o lançamento, além da possibilidade de serem exportadas para certa regiões em que regulamentos de segurança estão em atividade”.

Quais lugares? O comunicado continua: “Há um risco de violação das leis do comércio exterior e, dependendo do destinatário da exportação, pode levar a grandes problemas que ameaçam a segurança global”.

Tarde demais, Toyota.