Uma pesquisa colaborativa entre as agências espaciais europeia (ESA) e russa (Roscosmos) estudou as alterações pelas quais passam os cérebros de cosmonautas em longas viagens ao espaço — resumidamente, o nosso cérebro é “reprogramado”, segundo os cientistas.
O paper indica diversas alterações físicas — potencialmente causadas pela mudança no fluxo de fluidos cerebrais, que é alterado pela ausência de gravidade, entre outros fatores. E isso causa alterações como aumento das massas cinzenta e branca, bem como dilatações em um dos principais centros nervosos do cérebro.
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“As mudanças cerebrais observadas pelo nosso time foram inéditas e muito inesperadas”, disse, Floris Wuyts, da Universidade da Antuérpia, na Bélgica, que assina a autoria primária do paper. Para essa pesquisa, a equipe estudou os cérebros de 12 cosmonautas pouco antes, durante, logo após e sete meses depois de seu retorno à Terra. Todos os cosmonautas tiveram uma média de 172 dias de viagem — aproximadamente cinco meses e meio.
O método utilizado é conhecido como “tractografia”, que usa informações de ressonância magnética para reconstruir o cérebro analisado em 3D, ressaltando nessa reconstrução toda a parte de conectividade do órgão. De acordo com Wuyts, essa técnica permite, essencialmente, que cientistas enxerguem toda a “fiação” do nosso cérebro.
Segundo o estudo, após o voo, essas estruturas de conectividade passam por deformações causadas pela alteração no fluxo de fluidos cerebrais e, paralelamente, o time também identificou aumento das massas branca e cinza, como ressaltamos mais acima, bem como mudanças no formato do corpo caloso — basicamente, um grande conjunto de fibras nervosas que Wuyts chamou de “a auto estrada que conecta os dois lados do cérebro”.
Na prática, isso pode levar a alterações na capacidade motora dos cosmonautas, segundo o que contou Andrei Doroshin, um pesquisador da Universidade Drexel na Pensilvânia e co-autor do estudo. “As áreas motoras do cérebro são os centros onde nossos movimentos se iniciam. Em um ambiente sem peso, um astronauta precisa se adaptar a isso, especialmente se comparado ao ambiente com gravidade da Terra. O nosso estudo mostra, essencialmente, que o cérebro é reprogramado, por assim dizer”.
Mais além, ao contrário do que se possa pensar, o estudo mostrou que essas mudanças não são tão imediatas: da mesma forma em que elas levam um tempinho para ocorrerem no espaço, elas também demoram a ir embora quando astronautas voltam à Terra. Quanto tempo? Cerca de sete meses, segundo os estudiosos.
“Isso mostra que nós devemos criar contra-medidas para assegurarmos que as mudanças de fluidos e de formato no cérebro sejam mais limitadas”, disse Wuyts, após sugerir a gravidade artificial como um método para este fim. Vale lembrar que, embora presente em filmes de ficção científica como algo corriqueiro, na realidade a gravidade artificial — basicamente, uma força pré-concebida de inércia que consiga imitar a sensação de peso na Terra — é algo tão conceitual que cientistas começaram a trabalhar a ideia somente na última década.
“Usar a gravidade artificial a bordo da Estação Espacial Internacional ou de um foguete em direção a Marte muito provavelmente vai resolver a questão da mudança de fluidos”, disse Wyuts. “O donut rotatório que vimos no filme ‘2001: Uma Odisseia no Espaço’, de Stanley Kubrick, é um ótimo exemplo de como seria um mecanismo ideal. Mas isso ainda é muito complicado de ser produzido. Talvez seja essa a forma certa de prosseguirmos, mas só as pesquisas futuras é que vão nos dizer”.
O estudo completo foi publicado no jornal científico Frontiers of Neural Science, na última sexta-feira (18).
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