Já não é de hoje que muita gente se mostra insatisfeita com o aumento de mega constelações de satélites na atmosfera, mas um especialista traz à tona mais um problema com todo esse volume: ao que tudo indica, emissões de sinais feitas por satélites como os da Starlink, da SpaceX, podem interferir com a observação astronômica feita por equipamento na Terra — mais especificamente, podem “cegar” radiotelescópios como o Square Kilometer Array (SKAO).
Radiotelescópios são, como indica o nome, telescópios especializados em captar sinais de rádio emitidos por corpos celestes e fenômenos espaciais. O problema é que esses sinais também são usados na oferta de conexão à internet e telecomunicações via satélite.
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De acordo com Federico di Vruno, gerente geral do SKAO, isso não tem chance de coexistir: as emissões feitas pelos satélites na órbita da Terra vão atrapalhar o trabalho de observação, simplesmente porque os sinais emitidos por estrelas e planetas distantes podem, às vezes, viajar na mesma frequência daqueles que usados por nossos smartphones, sistema de GPS e outras benesses humanas.
É justamente por essa razão que radiotelescópios — a grosso modo, observatórios imensos com muitas e muitas antenas — são instalados em regiões remotas. O SKAO, por exemplo, está em construção com sua estrutura dividida: parte dela ficará na região de Karoo, na África do Sul; enquanto a outra parte estará em Murchison Shire, no oeste da Austrália. Ambas, inclusive, são áreas protegidas pelos respectivos governos — quem está lá não pode nem mesmo ligar o celular.
Segundo di Vruno, o SKAO, necessariamente, ainda levaria uma vantagem por ser um projeto que vai operar em uma faixa exclusiva e protegida — ninguém mais pode trabalhar na mesma frequência. Mas ele ressalta que vários projetos de observação astronômica dependem das faixas mais congestionadas e comuns a nós humanos.
“A faixa entre 10,7 e 12,7 gigahertz (GHz) cobre certos tipos de observação, incluindo quando estamos procurando por certas moléculas no espaço que são precursoras da vida”, disse o especialista. “Mais além, a pesquisa e o estudo dos exoplanetas também funcionam nesta faixa. Os sinais de rádio emitidos por algumas das mais distantes galáxias também podem ficar bagunçados nessa frequência. Então (a interferência causada por) mega-constelações vai afetar a nossa habilidade de enxergar o nosso passado e estudar épocas antigas”.
di Vruno ressalta que, embora o SKAO não vá ficar completamente cego, o aumento irrestrito de satélites — cortesia de empresas que fazem mais e mais lançamentos a fim de ampliar a oferta de seus serviços — vai adicionar cada vez mais “ruído” às análises astronômicas.
A SpaceX é um dos exemplos mais óbvios: a empresa de Elon Musk conta com a sua plataforma de internet via satélite Starlink, que já colocou aproximadamente 2 mil satélites na baixa órbita da Terra (LEO). O problema é que a companhia já tem permissão para 42 mil satélites — um número que ela pode atingir antes do SKAO começar a operar, em meados de 2025.
“Nós analisamos os efeitos disso em antenas com uma única parabólica e descobrimos que elas precisarão de 30% mais tempo para atingir a mesma sensibilidade”, disse di Vruno. “Mas isso também depende de quantos satélites estão lá em cima, e isso muda o tempo todo. Quanto mais satélites, mais difícil será fazer as observações dentro dessas faixas de frequência”.
Ao contrário de smartphones, tablets e afins, os satélites estão isentos das restrições impostas pelas chamadas “zonas de silêncio de rádio” por serem governados por regras de consenso internacional. Na prática, isso significa que mesmo que clientes da Starlink não instalem antenas da plataforma em suas casas, os satélites ainda continuarão emitindo sinais. Na prática, a interferência em radiotelescópios será a mesma.
“Estamos tentando conversar com operadores de mega constelações de satélites, argumentando que, se não haverá receptores próximos aos telescópios de rádio, então eles poderiam não apontar esses satélites diretamente a nós”, disse di Vruno. “Não teria ninguém para receber os sinais deles de qualquer forma”.
Mas o SKAO — ou mesmo radiotelescópios em geral — não é o único preocupado com isso: operadores do Observatório Vera Rubin, em construção no Chile, já argumentaram que a luz refletida pelos satélites da Starlink e outras mega constelações também via dificultar o seu trabalho — segundo estimativa do próprio observatório, cerca de 30% das imagens que ele registrar terão alguma faixa de luz no céu que corresponda a um satélite da Starlink.
Outra estrutura — o Zwicky Transient Facility — também deve sofrer com os satélites da Starlink, que poderão interferir com o trabalho de monitoramento de asteroides que estão em proximidade com a Terra, tendo em vista que tais objetos só podem ser vistos no nascer e no pôr do Sol — justamente o momento em que os satélites de Elon Musk são mais brilhantes.
A SpaceX não comentou as informações divulgadas, e o mesmo silêncio foi mantido por outros representantes do setor.
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