A população de aves de rapina – predadores como águias e falcões, por exemplo – está caindo rapidamente em vários países, e a culpa é das armas. Mas engana-se quem pensa que as aves estão levando tiros de caçadores: na verdade, humanos que atiram em animais e os deixam para morrer são buscados pelas aves, que acabam envenenadas pelo chumbo das munições das referidas armas após consumirem suas carcaças.

A conclusão vem por meio de um estudo feito por especialistas da Universidade de Cambridge, que compartilhou números nada reconfortantes: cerca de 55 mil indivíduos entre várias espécies de aves de rapina morreram de envenenamento por chumbo em pelo menos 12 países, com algumas espécies, como a águia de cauda branca, sendo uma das mais punidas.

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Um grifo, uma espécie de abutre de cabeça branca, é uma das aves de rapina ameaçadas pelo envenenamento por chumbo, decorrente da caça esportiva na Europa
Um grifo, uma espécie de abutre de cabeça branca, é uma das aves de rapina ameaçadas pelo envenenamento por chumbo, decorrente da caça esportiva na Europa (Imagem: tamaragobbettoph/Shutterstock)

A pior parte do problema é que animais como águias, falcões e abutres se reproduzem tardiamente, muito tempo após atingirem a maturidade. Isso significa que os indivíduos que estão morrendo são jovens e ainda não acasalaram nem botaram ovos.

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Em outras palavras, quem está morrendo não está deixando ninguém em seu lugar.

O estudo de Cambridge analisou os fígados e órgãos de 3 mil aves de rapina encontradas mortas na natureza, concluindo que até mesmo espécies fáceis de serem encontradas, como o abutre comum e o milhafre-real, por exemplo, teriam populações consideravelmente maiores não fosse o envenenamento por chumbo.

Populações como a águia dourada e o grifo (um abutre com cores mais brancas) já estão reduzidas em 13% e 12%, respectivamente, enquanto a já citada águia de cauda branca tem 14% menos indivíduos vivos. Já o abutre comum baixou sua população em 1,5%, mas o percentual baixo contempla 22 mil adultos da espécie.

Aves de rapina em geral já estão em declínio de 6%, mesmo com associações de caçadores orientando o abandono do chumbo e a troca por munições feitas de material não tóxico. A ideia das associações relacionadas é abandonar o chumbo por completo até 2025, mas a universidade tem uma percepção pessimista desse progresso.

“O uso continuado de munição de chumbo significa que a caça como hobby simplesmente não pode mais ser considerada sustentável, a não ser que as coisas mudem”, disse o professor Rhys Green, cientista conservacional em Cambridge e autor primário do estudo. “Infelizmente, os esforços para encorajar mudanças voluntárias para longe do chumbo vem sendo completamente ineficazes”.

Atualmente, apenas dois países da Europa efetivamente baniram o uso de chumbo na criação de munições de caça – Dinamarca e Holanda passaram leis governamentais para este fim. Esforços em outros países têm caráter voluntário, mas a adesão está bem baixa. A União Europeia (UE) tem projetos em avaliação para o banimento definitivo de chumbo, considerando não só o impacto na vida selvagem mas também os problemas de saúde – diversos países da Europa têm carne de caça em seus alimentos.

Há, no entanto, um intenso lobby por parte da indústria de armas e grupos de caçadores que não aderiram à ideia.

“Pesquisadores de toda a Europa levaram décadas para juntar dados suficientes para permitir o cálculo do impacto do envenenamento por chumbo em populações de aves de rapina”, disse a co-autora do estudo, Debbie Pain, também professora em Cambridge. “Nós podemos ver, agora, o quão substancial foi o dano para algumas de nossas espécies mais carismáticas e vulneráveis — espécies que são protegidas pelas regulamentações da União Europeia e pelo Ato de Proteção à Vida Selvagem do Reino Unido”.

A especialista chama a situação de “sofrimento e mortes evitáveis” de diversas espécies, argumentando que essas informações devem ser suficientes para exigir o emprego de alternativas não tóxicas para minimizar o impacto das populações de animais afetadas.

O estudo completo está disponível no jornal científico Science of Total Environment.

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