O planeta-anão Ceres pode ter se formado nas fronteiras geladas do nosso sistema solar, de acordo com novo estudo assinado pelo brasileiro Rafael Ribeiro de Sousa (Universidade do Estado de São Paulo – UNESP) e o italiano Alessandro Morbidelli (Observatoire de la côte d’Azur, França).

A sugestão é interessante, considerando que Ceres está localizado no cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter – uma região relativamente centralizada da nossa vizinhança no espaço.

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Imagem da missão Dawn, da NASA, mostra Ceres, um dos objetos mais enigmáticos do nosso sistema solar
Imagem da missão Dawn, da NASA, mostra Ceres, um dos objetos mais enigmáticos do nosso sistema solar (Imagem: NASA/Divulgação)

Ceres foi descoberto em janeiro de 1801 por Giuseppe Piazzi. Originalmente, ele havia sido classificado como um planeta – tal qual Marte, Terra etc. -, mas passou por uma reclassificação, tornando-se um asteroide devido à presença de objetos com órbitas similares à dele. Eis que, em 2006, ele foi novamente reclassificado, agora como um planeta-anão.

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Ceres está em uma posição única dentro do cinturão de asteroides: com um raio de 476 quilômetros (km), ele é o maior objeto da área. A missão Dawn, da NASA, passou anos orbitando o planeta-anão, coletando informações sobre sua superfície, o que nos levou a descobrir que ele é, no mínimo, estranho. Muito estranho.

Para começar, a superfície é formada por uma mistura de minerais de gelo aquático ligados por água líquida. Seu manto também tem gelo aquático por quase toda a sua formação e reveste um núcleo que é, basicamente, rocha sólida. Ele também tem baixa densidade (2,2 gramas por centímetro cúbico) e baixo albedo – ou seja, mesmo em seu momento mais brilhante, ele reflete pouca luz. Isso faz dele bem similar aos asteroides tipo C – condritos carbonáceos – o tipo mais comum desses objetos.

Ao contrário de outros asteroides, porém, Ceres tem água demais. E amônia, bastante amônia, pode ser encontrada em sua superfície. A amônia em si não é algo tão estranho, mas esse elemento não é muito comum dentro das áreas mais centrais do sistema solar – o Sol a faz evaporar com facilidade – e todos os outros asteroides do cinturão não a apresentam.

Segundo o paper co-assinado por Sousa, amônia é mais comum nos ambientes mais distantes do sistema solar – como o Cinturão de Kuiper, passando por Plutão e onde podem ser encontrados Caronte (lua do ex-nono planeta) e Eris, outro planeta-anão.

Naturalmente, como tudo o que é estranho no espaço, existem interpretações que explicam essa disparidade: há quem afirme que Ceres simplesmente se formou por um processo diferente dentro do asteroide, e há também quem diga que amônia de bilhões de anos veio da parte mais distante do sistema solar e flutuou até a região, de alguma forma não afetada pelo Sol.

E há o estudo, intitulado “Origem Dinâmica do Planeta-anão Ceres”, que estamos discutindo aqui: “nós modelamos a evolução dinâmica primária da parte externa do sistema solar para estudar possíveis mecanismos químicos que consideram um possível corpo planetário do tamanho de Ceres dentro do cinturão de asteroides da região trans-Saturniana”, diz o sumário do paper.

O estudo considera sugestões do Modelo de Nice, o mais aceito modelo de formação do sistema solar. Nele, o início do nosso sistema era uma época bem caótica, onde corpos conhecidos como “planetesimais” se formaram relativamente perto do Sol, lutando por dominância e se unindo uns aos outros, formando grandes planetas apenas para se chocarem e se despedaçarem de novo.

Esses choques os dispersaram espaço adentro, migrando-os para suas posições modernas. Essas movimentações acabaram perturbando outros corpos – por exemplo, partes inteiras do cinturão Kuiper de asteroides acabaram ejetadas em todas as direções – incluindo para dentro do sistema solar.

Mas essa premissa não deve ser assim tão simples: um único objeto do tamanho de Ceres dificilmente conseguiria fazer uma viagem para o cinturão central – aquele entre Marte e Júpiter – sem ser perturbado por outros corpos no caminho. O estudo estima, então, que pelo menos 3,5 mil corpos similares fizeram essa viagem, e um deles chegou onde Ceres está hoje.

Apesar dos números serem especificamente, grandes, Sousa e Morbidelli afirmam que essas estimativas estão perfeitamente dentro da expectativa para modelos preditivos do sistema solar em sua época de formação.

E assim, nasce mais uma teoria científica.

O estudo está em pré-impressão dentro do arXiv mas um pdf dele está disponível para leitura online via ResearchGate.

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